Nem bem começaram as articulações da sociedade civil em torno da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável - Rio+20, eis que surgem as primeiras divergências entre as organizações, movimentos sociais e outros atores envolvidos. A começar pelo título, que carrega consigo uma armadilha e uma polêmica que se mantém no interior do movimento ambientalista: o assim chamado “desenvolvimento sustentável”.
Cunhada e usada pela primeira vez no Relatório Brundtland, publicado em 1987 e elaborado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU, a expressão “desenvolvimento sustentável” foi uma tentativa de criticar o modelo de desenvolvimento capitalista hegemônico, mesmo sem dizer o seu nome. Nas próprias palavras do Relatório, apontar para “o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”.
Contudo, ao não questionar as bases constituintes do capitalismo, promotor do desequilíbrio do Sistema Terra, o conceito de desenvolvimento sustentável acabou por ser apropriado por ele, a ponto de se transformar hoje na senha para identificarmos as iniciativas de quem, pressionado pela magnitude da destruição e das catástrofes ambientais, é levado a assumir aparentemente “responsabilidades ambientais” – para exorcizar outra expressão mentirosa. Tudo isso, é claro, sem alterar os padrões de espoliação e de lucro inerentes ao capitalismo.
Nessa esteira de pequenos sofismas e grandes mentiras podemos incluir o capitalismo verde (ecocapitalismo) e o greenwashing (ecobranqueamento), como tentativas de dar uma aparência ecológica responsável a atividades, produtos e serviços inerentemente devastadores. Neste processo é possível, até, que modos de produção e práticas escandalosamente daninhas ao ambiente sejam substituídas por outras aparentemente mais limpas, mas que, ao serem utilizadas sem que se mexa no cerne do modelo econômico, acabarão também por provocar passivos ambientais.
O centro do debate proposto pela ONU na Rio+20 não é o meio ambiente, mas o desenvolvimento sustentável, ou melhor, avaliar se a agenda proposta na Eco 92 para a construção de um modelo sustentável de desenvolvimento, além dos mecanismos aprovados por ela, como o Protocolo de Kyoto, foram vitoriosos.
Além disso, certamente embalados pela perspectiva de novas fontes de lucro, não faltarão aqueles a proporem novas formas e mecanismos paliativos, com fracasso anunciado semelhante ao do natimorto Protocolo, cujo “mercado regulador de emissões de carbono” nem regulou, nem reduziu as emissões, servindo apenas para dinheiro trocasse de mãos nas asas da especulação.
Dessa forma, é previsível que o sistema ONU, os governos e as grandes corporações tentem, de toda forma, impedir que a Rio+20 seja uma nova COP 15. Lá, na cidade de Copenhague, em 2009, a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas embalada pela divulgação do Relatório do IPCC, publicado em 2007, e que pela primeira vez demonstrava a relação entre a escalada do aquecimento global e a ação humana (melhor dizendo, a ação do capitalismo), foi transformada em uma reedição das manifestações ocorridas em Seattle em 1999, quando de uma reunião da Organização Mundial do Comércio.
Mais do que isso, a primeira atividade promovida pela Cúpula dos Povos da Rio+20 por Justiça Social e Ambiental, nome provisório do evento da sociedade civil a ser organizado em paralelo à Rio+20, mostrou que, mesmo neste evento alternativo, a disputa vai ser grande. No Seminário realizado no Rio no começo deste mês, a discussão sobre o formato da Cúpula e sobre o seu perfil esteve no centro do debate.
Parte dos presentes defendeu um formato semelhante ao dos Fóruns Sociais Mundiais, isto é, a de uma “feira de idéias” aberta a um espectro mais amplo, desde aqueles que consideram que, dada a hegemonia capitalista, é preciso negociar a redução dos danos que o modo de produção capitalista provoca no planeta, até os que consideram que sem o questionamento a ele, e a sua superação, é impossível pensar na sobrevivência da biodiversidade e das espécies, entre elas a humana.
Estes últimos, entre os quais nos incluímos, defenderam um formato politicamente mais definido, evidentemente aberto a diversidade de idéias, desde que numa perspectiva crítica e de superação da ação nefasta do capital sobre a natureza, recursos naturais e espécies.
E que o caminho da redução dos danos provocados pela ação do Capital sobre o Sistema Terra, certamente nos levará, em um futuro próximo a, além de sacrificar e extinguir anualmente centenas de espécies como hoje em dia, a abrir mão também de várias centenas de milhões de habitantes do planeta desprovidos de água e alimento, morrendo aos milhares por conta de doenças ligadas à falta de saneamento (6.000 por dia), vivendo e trabalhando em situação altamente precarizada social e ambientalmente.
Defendem também que, neste particular momento onde está em jogo qual o futuro da humanidade, é mais adequado a organização daqueles que “não tem voz”, para darem um sinal claro de que ou mudamos o modelo, ou não haverá futuro virtuoso para a grande maioria da população da Terra.
E, por último, que se a experiência dos Fóruns é importante, e deve ser mantida, é necessário também reconhecer que seu próprio formato, e o amplo perfil dos participantes, impedem quaisquer definições políticas mais claras. E, em contrapartida, organizar uma ação planetária contra esse modelo de desenvolvimento morbidamente sustentável, que sinalize aos filhos de Seattle e Copenhague – ecologistas, feministas, anarquistas, trabalhadores, estudantes, pacifistas, socialistas, etc. – que a Cúpula dos Povos é um chamado à luta.