13 de dezembro de 2010

Não Mexam no Código Florestal

Como acabei de postar no Twitter: “se formos esperar pelo bom senso dos deputados, não sobrará nenhuma árvore em pé.” Esse episódio da votação, a toque de caixa, do regime de urgência para a aprovação ou rejeição de modificações no Código Florestal, diz bem como navega esta Nau de Insensatos mais conhecida como Congresso Nacional: ao sabor dos ventos oportunistas!

Antes de mais nada é preciso registrar de que não se trata de uma votação menor, tipo “dia de qualquer coisa”. As modificações aprovadas em relatório do deputado Aldonegócio Rabelo do PCO2doB desfiguram de tal maneira o Código, que permitem a anistia aos já desmatadores e o incentivo aos que ainda não desmataram

Justamente quando continua o impasse em torno da necessidade de reduzir emissões dos gases estufa, com a modificação no Código Florestal avalia-se um potencial de liberação de mais de 7 giga toneladas de carbono, isto é 7 seguido de 9 zeros toneladas.

Além disso, estas modificações precarizam ainda mais as já devastadas matas ciliares, com efeito direto sobre rios e mananciais. É bom lembrar que, nas próximas décadas, haverá uma pressão muito grande sobre o fornecimento de água potável, dada a poluição nos cursos d’água, mais as consequências das mudanças climáticas.

A partir da aprovação do relatório do deputado Aldonegócio, muito elogiado pela senadora Kátia Motoserra de Ouro Abreu, houve um movimento na sociedade de repúdio e denúncia deste relatório, por atender somente aos interesse dos ruralistas. Esta pressão foi decisiva para que, tanto Lula quanto sua sucessora se comprometessem a rediscutir a questão e apresentar outro projeto no ano que vem.

Porém, o que são os interesses nacionais comparados à disputa pela Presidência da Câmara? Ocorre que o líder do PT, Cândido Vaccarezza, inebriado com a possibilidade de sentar na cadeira hoje ocupada pelo Temer genérico, que nada tem a ver com o valoroso Milton Temer, este deputado por São Paulo resolveu deixar a candura de lado e, com toda a ligeirezza, negociou com a bancada ruralista, a bancada do Bingo, a bancada policial (por conta da PEC 300) e a bancada da Lei Khair, a urgência nessas matérias em troca do apoio à sua pretensão de ser o novo Presidente da Câmara, cargo que o colocaria na linha sucessória de Dilma.

Espero que você não tenha se perdido! Resumindo, com esta manobra do deputado Vaccarezza, o brejo se aproximou bastante da vaca! Para completar a encrenca, parte da bancada “ambientalista”, com muitas aspas por favor, estava em Cancún praticando ecoturismo, já que nada de relevante aconteceria (como não aconteceu) lá.

Assim, a votação do regime de urgência para o desmantelamento do Código Florestal ficou acordada para ser apreciada pelos nobres deputad@s esta terça-feira (14). Candidamente, o deputado Vaccarezza garante que o acordo é somente para a votação da urgência, sem que isso signifique que o projeto seja votado ainda neste ano, e que a urgência seja urgente no ano que vem. (!?!)

Às vésperas dos feriados de final de ano, em meio às comemorações e bebemorações, somos obrigados a reunir nossas forças e tentar pressionar novamente para que esse projeto possa ser dicutido com cuidado e democraticamente por toda a sociedade, a partir do ano que vem, sem urgência e manobras ao apagar das luzes.

Corre no Avaaz um abaixo-assinado endereçado aos parlamentares. No Twitter existe uma hashtag #NaoMexamNoCodigoFlorestal que deve ser retuitada, divulgada e apoiada. Mande mensagens divulgando este esforço para suas listas de discussão e amigos. Se conseguirmos um volume de pressão suficiente, conseguiremos barrar mais essa inciativa devastora. Se não, estaremos acumulando forças para uma dura batalha no ano que vem.

Conto com vocês na luta!

por Paulo Piramba

10 de dezembro de 2010

A minha, a sua, a nossa responsabilidade

Sou do tempo em que consciência ecológica era não pisar na grama. Da época em que celebrar a natureza era queimar uma “erva do norte” e curtir o “flower power”. Definitivamente, eu era feliz e não sabia!

Hoje vivemos em tempos muito mais bicudos. Ar, águas e solos poluídos. Mais de 1 bilhão de pessoas sem acesso regular à agua e comida. Uma crise social que invisibiliza um continente inteiro, a África, e que, mesmo nos países mais ricos, expõe a incapacidade do modelo de civilização dominante em acabar com a desigualdade. Como pano de fundo, temos uma ameaça cada vez mais concreta e presente para o futuro da humanidade: as mudanças climáticas provocadas pela intensificação do aquecimento global.

Bombardeados diariamente por uma barragem de informações, por vezes contraditórias, divulgadas aos borbotões pela grande mídia, nossa consciência ecológica cresceu, mesmo que de forma frequentemente confusa. Choramos pelos ursos polares (nada contra eles), mas esquecemos rapidamente o destino dos desabrigados dos extremos climáticos, como no caso dos refugiados ambientais do Morro do Bumba, em Niterói, que, de abril para cá, ainda continuam desabrigados.

Esta mesma grande mídia, cujo objetivo é exatamente confundir mais do que explicar, divulga propaganda das mais diferentes empresas, dando conta que, de ora em diante, todas têm “responsabilidade ambiental”, justamente as mais devastadoras da natureza, por conta de suas atividades.

Por outro lado, diariamente somos chamados também a assumir nossa responsabilidade ambiental. Banho, só até 7 minutos e fazendo xixi junto. Poupe energia, poupe água, poupe tudo pelo futuro dos nossos filhos! E, suprema ignomínia, reduza o consumo de carne bovina para reduzir a emissão de metano, e esqueça a sua cerveja, já que são necessários 155l de água para cada litro de cerveja. Ou seja, churrasco e consciência ecológica definitivamente não combinam!

Mas, ao mesmo tempo, esta mesma mídia ocupa grande parte de seu espaço fazendo propaganda exatamente daquilo que “exige” que você abra mão. Compre, consuma, troque pelo último modelo, se endivide, quebre, mas mantenha o mercado funcionando!

Não estou fazendo a apologia do “foda-se ambiental”, ou da inércia, dada a incapacidade de resolvermos individualmente a tragédia ambiental que bate cada vez mais forte nas nossas portas. Uma parte da minha, da sua, da nossa responsabilidade é exatamente a de mudarmos nossos hábitos de forma ecológica e racional. Mas, isto é apenas uma parte.

Estamos inseridos em um sistema que corre voraz e continuamente para manter e ampliar seus lucros. Para isso, a humanidade é compelida a consumir o que não precisa. Pelo menos a humanidade que pode ter acesso ao mercado, enquanto milhões são deixados à sua margem.

Para manter ativa e operante esta máquina, o modelo econômico capitalista atribui preço a tudo, explora cada vez mais o trabalho alheio e exaure os recursos naturais do planeta, já que a velocidade do lucro não guarda nenhuma relação com a capacidade de renovação destes recursos. Essa máquina é movida a combustíveis fósseis que despejam na atmosfera giga toneladas de gases formadores do efeito estufa.

Essa gastança temerária e insensata é de tal monta que, hoje, este sistema necessita de uma Terra e quse mais um hemisfério para dar conta de suas necessidades. É um sistema esbanjador de recursos, negligente com os efeitos do que e como produz sobre o ambiente e irresponsável com os problemas socioambientais que gera.

Por ser largamente hegemônico no mundo, ele é, sem sombra de dúvida, o responsável pelos perigos que a vida no planeta enfrenta hoje. Seu modelo de civilização, que nos trouxe até aqui, está acima e além da capacidade do planeta. Qualquer solução real tem que passar por esta avaliação e pela necessidade de o superarmos, substituindo-o por um modelo alternativo, que resolva os eternos problemas de desigualdade social, sem perder de vista os limites da natureza.

Mais do que nunca, apesar do que se diga por oposto, a consciência social e política está imbricada com a consciência ecológica. Achar que é possível “domesticar” a voracidade do capitalismo, é atrasar as mudanças necessárias. É vital que se entenda que não temos mais tempo sobrando! E é nesse sentido que escolher exclusivamente essa ou aquela responsabilidade faz toda a diferença.

Nossa responsabilidade como habitantes do planeta, como parte da única espécie que pode acabar com ela mesma e com a maioria das outras, mas principalmente como cidadãos e cidadãs, é nos organizarmos coletivamente, e exigirmos a mudança do sisterma que nos trouxe à beira do abismo, antes de darmos um passo à frente. Pressionarmos os governos, para que resolvam a encrenca que criaram, ou nós os derrubaremos.

Nesse sentido, nós, brasileiros, somos especialmente responsáveis. Somos nós, ou pelo menos 80 e muitos porcento de nós que aprovamos o governo que, nunca na história desse país, foi tão responsável com a degradação aqmbiental. Somos nós que naturalizamos tanto a devastação na Amazônia, que “comemoramos” quando “somente” 6.400km2 são desmatados.

Somos nós que apoiamos a escolha da exploração do pré-sal como indutor do desenvolvimento brasileiro nas próximas décadsa, mesmo que esse “desenvolvimento” se dê às custas das catástrofes climáticas e ambientais. Somos nós que apoaimos a criminalização da pobreza, via o extermínio de populações negras e pobres, e viramos o rosto para as condições de precariedade socioambiental em que vivem estas pessoas.

A crise desta civilização que temos, tem contornos multifacetados, com implicações econômicas, financeiras, alimentares, sociais e ecológicas. Superá-la exige uma solução de conjunto. Não estabilizaremos a temperatura média global neste sistema econômico, não porque ele seja mau, mas porque sua lógica imediatista, de reprodução de lucros a qualquer preço é incompatível com isso. Não se trata, assim, de uma questão moral.

Nesse momento, ao mesmo tempo em que foi confiada à delegação brasileira a missão de salvar o agonizante Protocolo de Kioto, aquele que como uma célebre viúva, “foi sem nunca ter sido”, nesse mesmo momento, o líder do PT na Câmara negocia a presidência dessa Casa, dando em troca o regime de urgência na votação das modificações no Código Florestal, que abre a possibilidade para mais devastação ambiental. Estas modificações foram aprovadas em uma comissão especial, cujo relator, do PCdoB, também faz parte da base do governo.

Além das mudanças voluntárias em hábitos que foram estimulados pelo modelo econômico, político e ideológico onde estamos inseridos, temos outra responsabilidade. A minha, a sua, a nossa responsabilidade é a de dar um basta a esta escalada de destruição planetária. Para isto existem lutas a serem travadas, local e globalmente. Lutas que denunciem os limites e responsabilidades do capitalismo. Lutas que apontem para a necessária construção de uma nova sociedade, baseada na justiça e na igualdade social, baseada no que existe de melhor na tradição socialista, combinadas com a preocupação ambiental. Uma sociedade ecossocialista.

por Paulo Piramba, 56, membro da Rede Ecossocialista Internacional

7 de dezembro de 2010

Mudemos o Sistema Capitalista, não o clima

Rede Ecossocialista Internacional

A perspectiva ecossocialista

Em Novembro/Dezembro de 2010, a Conferência do Clima das Nações Unidas (COP em inglês) acontecerá em Cancun, México. Todos os indícios apontam que esta conferência seguirá a mesma linha da anterior, realizada em Copenhague em Dezembro de 2009: será um novo passo da política neoliberal das grandes potências, que tentam eximir a responsabilidade do capitalismo nas mudanças climáticas. Eles aproveitarão o pretexto da situação para privatizar a atmosfera, as florestas, assim como outros recursos naturais, enquanto apresentam a conta da sua incapacidade em atender aos mais pobres de todo o planeta. Incapaz de romper com o produtivismo e a acumulação de lucros e, conseqüentemente, com os combustíveis fósseis, o grande capital também quer impor-nos suas loucuras tecnológicas: energia nuclear, agrocombustíveis, os transgênicos e o chamado "carvão limpo".

Em Copenhague, os Estados Unidos, China, Índia, Brasil, África do Sul e a União Européia negociaram secretamente um acordo paralelo que tentaram, sem sucesso, impor à Assembléia Geral da ONU. Este documento é totalmente insuficiente a nível ecológico: ele implica, a curto prazo, em um aumento da temperatura média global de mais de 4 graus Celsius, sinônimo de catástrofes muito graves. No nível social, significa a eliminação do princípio da "responsabilidade comum mas diferenciada" dos países capitalistas avançados e os "em desenvolvimento". Os representantes de vários países do Sul denunciaram a ilegalidade, a irresponsabilidade, o cinismo e a injustiça do acordo entre os maiores poluidores. Infelizmente, apesar dos seus protestos, ele foi, de fato, adotado como modelo para a política climática da Organização das Nações Unidas, em particular para a Convenção da ONU sobre o Clima e seu secretariado.

Isso é inaceitável! Em abril de 2010, em resposta a um apelo do presidente boliviano Evo Morales, mais de 30 mil representantes de movimentos sociais, sindicatos, povos indígenas e alguns governos se reuniram em Cochabamba (Bolívia), e aprovaram a "Declaração dos povos sobre a mudança climática e os direitos da Mãe Terra". Esta declaração afirma claramente que o capitalismo é responsável pelo aquecimento global e que os países do Norte devem reduzir radicalmente as emissões de gases de efeito estufa, a fim de efetivamente limitar o aumento da temperatura. Mesmo sem subscrever todos os pontos deste texto, a Rede Internacional Ecossocialista apóia todos aqueles que exigem que esta declaração, e não o auto-intitulado "acordo de Copenhague", sirva como base para as negociações de Cancun. Cochabamba tornou possível serem ouvidas as vozes dos povos indígenas, camponeses, mulheres, trabalhadores e os pobres em geral. Em uma palavra: a voz das vítimas. É esta voz, e não a das multinacionais, que deve dar o tom das negociações climáticas.

O verão de 2010 foi marcado por uma série de catástrofes que mostram o que o aquecimento global tem reservado para nós: incêndios assassinos na Rússia, as chuvas-dilúvio e inundações na China, México e Paquistão. O caso do Paquistão é dramático e revelador. Inundações fizeram 20 milhões de vítimas e prejuízos materiais enormes. Se o Paquistão continuar a seguir as receitas do Banco Mundial e do FMI, corre o risco de mergulhar em uma espiral de miséria. Para evitar isso, seria necessário abolir a dívida externa e exigir reparações do Norte. Isso requer uma ruptura com o "modelo" de desenvolvimento capitalista e a implementação de medidas, tais como uma reforma agrária democrática, a produção para as necessidades sociais e uma alternativa de gestão da água e recursos energéticos, a serviço da população.

As mudanças climáticas mostram que o capitalismo chegou ao fim da estrada. Por seu produtivismo, sua busca pelo lucro, este modo de produção está destruindo as duas únicas fontes de toda riqueza: a Terra e os Trabalhadores. Para enfrentar a barbárie que vem junto com ele, uma sociedade alternativa, uma opção radical de civilização é necessária: o ecossocialismo. A otimização dos lucros privados, sem levar em conta os limites naturais, deve ser substituída pela otimização do bem-estar coletivo, o Bem Viver, no respeito à Mãe-Terra. Esta é a mensagem que a Rede Ecossocialista Internacional traz para você.

Junte-se a nós!

Originalmente publicado em inglês em www.ecosocialistnetwork.org

17 de abril de 2010

Chuvas no Rio: nem tudo vale a pena

Os números realmente impressionam. Em menos de 12 horas choveu na cidade do Rio de Janeiro, e em parte de sua Região Metropolitana, o equivalente a dois meses de chuva. Uma média de 270mm, enquanto o índice normal para o mês de abril é de 140mm. Até o momento em que escrevo, já foram confirmadas pelo menos 95 mortes.

A causa mais imediata para esse extremo climático de gigantesca proporção é a combinação de uma frente fria, com o contraste entre o ar polar e o ar quente tropical, aliado à temperatura do mar, 2ºC mais quente do que o normal. Além disso, a maré alta contribuiu para que o alagamento das áreas urbanas do Rio, já muito impermeabilizadas, não escoasse.

Além do triste saldo de mortes, quase todas provocadas por deslizamentos de encostas, o caos se instalou na cidade. O alagamento das vias impediu a passagem dos veículos, fazendo com que milhares de pessoas não chegassem em casa. Muitos dormiram na rua na noite de segunda-feira. Na terça, a cidade viveu um feriado forçado, já que escolas, universidades e poder judiciário suspenderam suas atividades. Mas muitos bancos, lojas e escritórios de grandes e pequenas empresas também não funcionaram, já que seus empregados e clientes não tiveram como se locomover. As já normalmente ineficientes empresas privadas de fornecimento de energia contabilizam milhares de casas sem luz desde a noite de segunda.

O prefeito do Rio coloca a culpa do colapso da cidade "nas fortes chuvas, na maré alta, na ocupação irregular das encostas e nas pessoas que insistem em morar nelas". Não deixa de alfinetar os "demagogos de plantão" que, segundo ele, "criticam os reassentamentos de moradores de áreas de risco". E ainda dá "nota zero para o preparo da cidade para o temporal".

Em meio a todo o oba-oba da realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas no Rio de Janeiro, os ambientalistas mais críticos – que responsabilizam a sociedade do consumismo e as suas relações com o meio ambiente pela escalada do aquecimento global – insistem que, ao invés de obras de fachada, fossem incluídas na preparação destes eventos intervenções que começassem a preparar a cidade para os efeitos que, certamente, as mudanças climáticas provocarão.

Senão vejamos, o que se espera como resultado do aumento da temperatura média do planeta, em um futuro cada vez mais presente, são exatamente temporais muito mais intensos, em duração e amplitude. O mar, além de mais aquecido, estará em um nível superior ao de hoje, dificultando o escoamento, tanto das águas pluviais, como dos esgotos, pelo envelhecido sistema de escoamento das cidades.

Ao invés de investir na adaptação do Rio de Janeiro aos problemas que afligirão a cidade daqui a algumas décadas, as autoridades de todos os níveis preferem alocar recursos em PACs cosméticos, que não vão alterar as precárias condições de habitação da população mais pobre da cidade. Em intervenções desastradas no ineficiente sistema de transporte público, como a linha 1A do Metrô. Ou então transferindo a culpa para a natureza ou, o que é mais revoltante, para as próprias pessoas que moram em locais em permanente risco e precarização ambiental.

Em décadas de militância nunca vi nenhum morador dessas áreas afirmar que gosta de morar ali onde está. Nunca vi ninguém expor, por opção própria, sua família a uma vida sem água, sem esgoto, sem moradia digna e em permanente risco. O que vi, e continuo vendo, são milhões de pessoas obrigadas a ocupar estes territórios, por força de uma política econômica que achata salários e precariza empregos.

São não-cidadãos colocados à margem da sociedade, invisíveis e tratados como peças de reposição das engrenagens do mercado, para serem usados se e quando necessário. Pessoas confinadas em guetos, onde o Estado só se faz presente através da repressão policial, sem saúde e educação. E que, ao invés de serem alvo de políticas habitacionais que lhes permitam conseguir uma habitação digna, são alocadas e realocadas de acordo com a vontade da especulação imobiliária. As casas do PAC racharam com a primeira chuva. Substituir uma precariedade por outra, não é solução do problema. É troca de cativeiro.

As autoridades do Rio, além de criminalizarem a pobreza, também vêm responsabilizando os moradores de comunidades pela degradação ambiental da cidade. No Rio, muros de confinamento têm sido erguidos sob o álibi de impedirem que os moradores desmatem as encostas. Mas qualquer levantamento por satélite mostra que são os condomínios e mansões que estão ocupando as encostas acima da cota 100, destruindo a Mata Atlântica.

O real objetivo é "limpar" o Rio para que se transforme cada vez mais numa cidade-espetáculo para os ricos, palco de grandes eventos, como desejam hoje autoridades e empresários. Não é mais suficiente condenar milhões à invisibilidade do não-acesso à sociedade do consumo. É necessário varrê-los para baixo do tapete, escondê-los fisicamente com os tapumes da Linha Vermelha, expulsá-los para o mais longe possível, para que as áreas onde eles hoje estão sejam "revitalizadas", como se lá nessas comunidades não houvesse vida.

Ao longo da história, as cidades vêm perdendo sua referência territorial por conta e obra das exigências dos mercados. Ocupar áreas de mangue aterradas ou de várzea, e depois lamentar as inundações tornou-se freqüente. Incentivar o consumo desenfreado, e depois não saber onde colocar o lixo, também. Permitir que as indústrias utilizem e poluam a maior parte da água potável e depois sofrer com a sua escassez vai se tornando uma norma.

Vivemos em um planeta à beira de uma ameaça que pode colocar em risco a sobrevivência das espécies, entre elas a humana. O sistema que polui águas, solos e ar, que vem dilapidando as riquezas naturais e causando uma devastação ambiental dramática, tem a capacidade de destruir também o equilíbrio do clima. Tudo isso pela utilização de modos de produzir e combustíveis que agridem a natureza. Têm valido a pena?