30 de junho de 2011

Jornalismo de tigela inteira

Car@s,
Este senhor Reinaldo Azevedo, que "escreve" na Veja, tem se notabilizado em ser o ponta-de-lança das posições mais execráveis. Desta vez ele arrumou um problemão. Foi se meter a escrever sobre o aquecimento global, evidentemente questionando a sua ligação com as mudanças climáticas. Só que arrumou um inimigo de primeira. Alexandre Costa é um cientista do clima, se ele me permitir essa simplificação de um currículo tão importante quanto o dele. Além disso, tem a estranha mania de torcer pelo Ceará, o que só comprova cientificamente que a perfeição não existe. Mas, mesmo assim é um cabra militante do PSOL de primeira linha lá no Ceará. Vale à pena dar uma olhada na sua resposta ao pobre esbirro da Veja. Quase senti pena! Falando sério, o texto do Alexandre é de extrema valia para a gente entender de forma simples, mas com conteúdo, o que raios vem a ser mesmo esse tal de aquecimento global e como ele afeta o clima. Recomendo, então que vcs dêem uma olhada no anexo.
Boa leitura.
Abração,
Piramba

Alexandre Araújo Costa (*)

É lamentável que possa haver qualquer publicidade adicional para textos como os escritos pelo Sr. Reinaldo Azevedo, mas infelizmente, desta vez, ele tocou em algo que me é bastante caro: a ciência a que me dedico há 19 anos, dentre os quais se incluem um título de mestre e um de Ph.D., um estágio de pós-doutorado e algumas dezenas de publicações que incluem artigos em periódicos e em anais de eventos científicos, capítulos de livro, etc. Daí, tenho que divulgar o “link”, para que os que vierem a lerem estas linhas possam saber do que falo: http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/profetas-de-meia-tigela/. Neste caso, se há uma coisa me deixa menos preocupado quanto à publicidade, é saber que tais leitores meus serão poucos.

É evidente que o tipo de opinião manifestada no texto que menciono presta um grande desserviço no que diz respeito a esclarecimento junto ao público leigo da questão climática, não essa questão crucial com um mínimo de seriedade e carece, evidentemente, dos padrões mínimos de honestidade intelectual. Uma digressão que devo fazer aqui é que, como cientista, tenho de estar sempre aberto a testar diferentes hipóteses e é preciso, portanto, manter-se ciente da possibilidade de que o Sr. Reinaldo Azevedo realmente acredita no que escreve ou de que simplesmente ele não se leva muito a sério e, no fundo, quer mesmo fazer pilhéria com o seu incauto leitor que acredita em tudo que ele escreve. De qualquer maneira, tenham sido eles motivados por má fé, por uma honesta ignorância ou por falta de seriedade, os erros presentes em seu texto precisam de correção.

O primeiro problema evidentemente se dá a usar o termo “Igreja”, como se a questão do aquecimento global e da mudança climática antropogênica fosse de “crença”. É obviamente uma falsificação de em que bases opera a ciência, em cujo cerne estão evidências que nos permitem formular hipóteses,construir teorias e prever o comportamento e a evolução de sistemas físicos, químicos, biológicos, etc. Não me parece haver margem para se decidir entre “crer” ou “não crer” na Gravitação Universal ou na Evolução das Espécies. Até onde sei, objetos caem e espécies se adaptam ou se extinguem a não ser que você esteja em algum rincão do Kansas. Como estas teorias (que, diferente do seu uso coloquial, em ciência significa bem mais do que uma simples hipótese), o conhecimento humano sobre o Efeito Estufa não é nenhuma novidade. Sabe-se que graças à presença de gases minoritários em nossa atmosfera (principalmente vapor d´água e gás carbônico, mas também metano, óxido nitroso etc.), a temperatura da superfície do planeta não é de gélidos -18oC; sabe-se que devido à predominância de gás carbônico na atmosfera de Vênus, este é o planeta mais quente de nosso sistema, mesmo sendo o segundo em distância ao sol (em função da alta refletividade das nuvens que o recobrem, ele termina recebendo em sua superfície apenas 1/12 da radiação que chega em Mercúrio, o que é menos do que a radiação solar que atinge a superfície da Terra). Se há alguma crença desconectada do bom senso e digna da mais estranha fé fundamentalista é a de que aumentar a concentração de gases de efeito estufa não traga como conseqüência inevitável o aquecimento do planeta. É simples: a mesma quantidade de energia continua a chegar de fora, na forma de radiação solar, ao mesmo tempo em que menos radiação infravermelho deixa o planeta rumo ao espaço por ser retida por esses gases em nossa atmosfera. Como me parece bem mais razoável achar que nenhuma força sobrenatural faça esse saldo de energia desaparecer, ou mude num passe de mágica as propriedades físicas das moléculas de CO2, acho, sim, que é preciso tomar cuidado com o que se anda expelindo por aí das termelétricas, dos motores a combustão, das queimadas... Se havia alguma dúvida sobre se as atividades humanas estariam contribuindo ou não para aquecer o planeta era baseada no fato de que também lançamos aerossóis (pequenas partículas que ficam em suspensão na atmosfera) quando se queimam combustíveis fósseis e florestas e em processos industriais. Alguns cientistas achavam que estes, ao bloquearem a radiação solar a alterar propriedades das nuvens, poderiam se contrapor ao aquecimento causado pelo aumento da concentração de CO2 e outros gases. Hoje, sabe-se que os efeitos dos aerossóis cancelam apenas parte do efeito estufa associado a estes últimos.

Se “apenas uma teoria” (a gravidade também é “apenas uma teoria”) não bastar para gerar essas preocupações, lembro que todas as evidências observacionais (medidas de termômetros à superfície desde o século XIX e medidas de radiossondagens e estimativas de satélite mais recentemente) mostram que já existe um aumento da temperatura média do planeta (coerente com alterações no oceano e na criosfera, isto é, no gelo, em escala global). Além disso, há registros incontestáveis do passado de quando, por causas naturais e com variações bem mais lentas, a atmosfera terrestre abrigou concentrações maiores de CO2, com mudanças dramáticas nos padrões de temperatura, precipitação e nível do mar. Devo só lembrar que, nos últimos 800 mil anos, a diferença na concentração de CO2 entre uma era glacial e os períodos quentes que se intercalaram entre elas tipicamente mal chega a 100 ppm (partes por milhão). Quando se acumulou desde o início da era industrial? 110 ppm, em rapidíssimos século e meio). Fato: o conjunto de evidências ultrapassou a fronteira do “creio que” ou “acredito que”. Eu não aconselharia os “negadores da gravidade” a saltarem de cima de arranha-céus, ainda que isso só afetasse suas próprias vidas (ou melhor, poria fim a elas). A mesma condescendência, porém, não posso ter com os negadores da mudança climática, por motivos óbvios: eles querem que todos saltemos num abismo climático desconhecido.

Outro erro crasso do texto é confundir tempo com clima, condições locais com fenômenos em escala global. Quando se fala em aquecimento global como conseqüência da elevação da concentração dos gases de efeito estufa, obviamente não se fala em aquecimento contínuo, distribuído por igual em todo o planeta, etc. A abordagem sobre o frio em São Paulo, portanto, é evidentemente equivocada, mas o texto espertamente minimiza o argumento contrário ao se fingir que ele é aceito. É pena que sequer esse argumento é original. A pior escória da imprensa americana também usou quando de nevascas recorde (“estranhamente” se calaram ante os tornados, a seca texana e as ondas de calor recentes). O problema é que um evento de tempo é algo eminentemente passageiro e quando se fala em clima, fala-se de tendências de longo prazo, com variações e flutuações. Gosto de usar um exemplo mais elementar que é o lançamento de um dado. Ao se lançar um dado comum, não se sabe, a priori, que número aparecerá, entre 1 e 6. Isso é o tempo. Mas experimente lançá-lo 100, 1000 vezes. Aposto que a média dá próximo a 3,5. Isso é o clima. É por isso que, mesmo que a previsão de tempo fosse muito ruim (o que definitivamente não é verdade pelo menos para um horizonte de poucos dias), pode-se, sim, fazer projeções sobre o comportamento do sistema climático a longo prazo.

Para manter a analogia com o jogo de dados, o que a mudança na concentração de gases de efeito estufa faz é “viciar o dado do clima”. Pode-se “viciar” um dado, colocando um pequeno peso colado a uma das faces, que tenderá a ficar para baixo mais vezes do que num dado normal. Se isso for feito com a face com o número 1, o número 6 se tornará mais provável e, com isso, a média irá, digamos para 3,7 ou 3,9 ou 4,2, a depender do peso que foi colado... Para um pesinho que não seja muito grande, não significa que números 1 deixem de ocorrer. Apenas se tornam mais raros, como dias muito frios já se tornaram raros nas últimas décadas em diversas partes do mundo. Os próprios exemplos citados pelo Sr. Reinaldo Azevedo servem de contra-argumento ao que ele expõe, bastando examiná-los com mais cuidado, desde o registro de Campos do Jordão (cuja mínima anterior aconteceu em 1998, justamente um dos três anos mais quentes desde 1880, empatado tecnicamente com 2005 e 2010), até o de São Paulo, que precisa ser comparado com uma série bem mais longa do que de 2003 para cá.

Daí, quer fazer um trabalho sério, Sr. Reinaldo Azevedo? Levante a estatística do número de dias com mínima abaixo de 7oC em São Paulo ao longo das décadas de dados disponíveis ou o do número de dias com temperatura abaixo de zero em Campos do Jordão. Calcule a evolução da temperatura média nesses mesmos lugares e repita a estatística anterior dessa vez para dias quentes. Faça o mesmo para outras estações de superfície da América do Sul. Claro, isso já foi feito e refeito diversas vezes, com vários bancos de dados, para várias regiões do planeta e para o globo todo. Esses estudos, com outros que se debruçaram em outras fontes de dados, em registros paleoclimáticos, no desenvolvimento e uso de modelos climáticos, etc., é que compõem a enorme quantidade de evidência de que o planeta está aquecendo e que, sim, nossas emissões de gases de efeito estufa são os responsáveis por isso. Isso se chama ciência, que é um livro aberto, baseado em resultados que podem ser analisados, contestados e reproduzidos; que, por isso mesmo, está em constante atualização e correção. Dos edifícios mentais humanos é o mais rico, mais sólido, mais elegante e, como mostrarei, mais útil.

Há um grande desserviço prestado, portanto, pelo texto pueril, superficial e grosseiro do Sr. Reinaldo Azevedo, que é o de desacreditar a ciência, começando pela ciência do clima, mas, ao rebaixar as previsões feita com embasamento científico para o nível de “profecias”, atacando, na verdade, a ciência em geral. Ingratidão pura, pois a ciência, aliás, é que deu origem à tecnologia simples que permite que ele disponha de um aquecedor para os dias frios deste inverno paulista e de um ar condicionado para os dias de calor dos quais, estranhamente, ele parece não lembrar, mas que voltarão, para “desrefrescar-lhe” a memória. A ciência também permitiu por aviões para voar (o que permitiria que ele escapasse do frio para vir se aquecer em latitudes mais próximas à linha do equador, como o local de onde escrevo) e está por trás dos “chips” de silício onde ficam hoje registradas as besteiras escritas pelo Sr. Reinaldo Azevedo e por todos nós e que também permitem a difusão das mesmas. A ciência provavelmente impediu que o “articulista” não tenha morrido de uma infecção ridícula para os padrões de hoje ao ter, um dia, levado à descoberta, síntese e, claro, uso de antibióticos.

Claro que também não gostei, pessoalmente, de ser comparado a um “profeta”, logo eu, ateu,racional e cético. No entanto , ainda que, de fato, aquilo que faço fosse “profecia” (de qualquer que fosse a fração de tigela), me restaria o consolo de saber que há coisa pior: que há alguns que vivem de algo que chegam a chamar de jornalismo, ou “articulismo”, mas que mesmo, não atingindo o mais reles padrão de “panfletarismo”, parecem ser capazes de agradar a algum desejo primitivo subjacente (e que garantem público ao “jogarem para a galera”) e/ou, mais ainda, agradarem a algum interesse da selvageria contemporânea explícita (aquela que garante financiamento). Esses acham ter, como o Sr. Reinaldo Azevedo, uma tigela inteira, mas parecem ter pouca preocupação para com o conteúdo que usam para preenchê-la.

(*) Professor Titular da UECE; Ph.D. em Ciências Atmosféricas pela Colorado State University, com estágio de pós-doutorado na Yale University; Bolsista de Produtividade do CNPq, nível 2; integrante do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC).

28 de junho de 2011

Pensem na Rosa de Fukushima

“Rosa de Hiroshima” é um poema de Vinicius de Moraes. Faz referência ao lançamento feito pelos Estados Unidos, durante a 2ª Guerra Mundial, de duas bombas nucleares no Japão, em Hiroshima e Nagasaki.

Lembrei dele após o terrível terremoto seguido por tsunami que devastou o Japão em 11 de março, e que teve como decorrência um grande acidente nuclear na usina de Fukushima.

Mesmo que o governo japonês tenha tentado minimizar os efeitos do desastre, ficou claro que este acidente é comparável ao acontecido em Chernobyl, na Ucrânia, em abril de 1986.

Naquela ocasião, o governo soviético também tentou esconder as dimensões do acidente. Centenas de trabalhadores morreram nos dias imediatos a ela, e até hoje milhares de vítimas de câncer ainda são contabilizadas em toda a Europa.

O acidente em Fukushima traz de volta a discussão sobre o uso “pacífico” da energia nuclear. O cientista Sadao Ichikawa afirma que “não existe uso pacífico da energia nuclear, há apenas uso perigoso”.

De fato, desde a mineração do combustível, o urânio, passando pela sua operação, até o armazenamento dos resíduos, todo o ciclo da produção de energia nuclear é carimbado pela palavra “PERIGO”.

A este risco junta-se o fato de que alguns dos resíduos produzidos continuam ativos e perigosos por dezenas de milhares de anos.

Há quem diga que o Japão foi obrigado a usar a energia nuclear, já que não dispõe de alternativas que gerem energia suficiente para sustentar seu modo de vida. Há quem diga também que a energia nuclear é mais limpa, por exemplo, do que a gerada por termelétricas alimentadas por carvão ou óleo.

O mito da energia nuclear “limpa” não se sustenta quando um desastre dessa proporção acontece. Por outro lado, o próprio modelo de desenvolvimento do Japão, baseado no alto consumo de bugigangas eletrônicas, vorazes consumidoras de energia, deve ser também questionado.

A cerca de 150 km do Rio de Janeiro estão instaladas e funcionando duas usinas nucleares em Angra dos Reis. Uma terceira está em processo de construção. Os defensores da energia nuclear argumentam que no Brasil não existem terremotos, nem tsunamis, como se fossem estes os únicos desastres naturais capazes de criar acidentes como o de Fukushima.

Angra é uma área de chuvas fortes e de deslizamentos. As usinas de Angra foram construídas numa restinga chamada de Itaorna, que significa pedra podre em tupi-guarani, idioma dos antigos habitantes da região.

Depois do que aconteceu no Japão, houve uma análise das condições de evacuação da área em torno das usinas, e a principal rota de fuga, a Rio-Santos, frequentemente interditada, se mostrou insuficiente. O treinamento de evacuação alcança um percentual muito pequeno da população, e os mecanismos de alerta são precários.

Existe necessidade para que corramos, aqui no Brasil, este enorme risco? Uma pergunta necessária, já que o governo federal anuncia a construção de mais usinas nucleares.

NÃO! O Brasil tem alternativas suficientes para geração de energia, muito mais limpas e seguras. Somos um país solar, com um regime de ventos que permite pensar em uma auto-suficiência por muito tempo.

A Espanha já gera energia eólica capaz de abastecer seu vizinho, Portugal. A Alemanha, um país muito menos solar do que o Brasil investe muito na energia solar, e hoje já produz mais do que Itaipu.

A energia nuclear foi trazida para o Brasil durante a ditadura militar, quando a sociedade não pode se manifestar. Junto com ela, o delírio da bomba nuclear brasileira. Hoje mesmo, se planeja um estaleiro em Sepetiba, para a construção de submarinos nucleares.

Vivemos um período onde o povo brasileiro pode e deve rediscutir se quer viver em permanente ameaça nuclear, ou se prefere optar por matrizes energéticas mais limpas e seguras. Cabe a todos nós exigir que essa decisão sobre nosso futuro seja feita nós, democraticamente e com todas as informações a nossa disposição.