1 de dezembro de 2008

As várias crises

A crise não começou agora, nem é somente financeira. Ela é uma crise financeira que, a partir do estouro da bolha subprime, tornou-se uma crise da economia real capitalista. Mas ela também já era uma crise social, mesmo nos melhores momentos do neoliberalismo. Ao invés de trazer o progresso e a satisfação das necessidades dos habitantes do planeta, o endeusamento do deus-mercado e a destruição dos controles do Estado sobre ele, só trouxeram miséria e violência. Além disso, o saque sobre os recursos naturais, com a transformação da natureza em um estoque de mercadorias, trouxe o desequilíbrio ambiental e um enorme risco sobre a continuidade da vida na Terra, por conta do aquecimento global e dos seus efeitos sobre o clima. Este risco, em grande parte, se deve à utilização de combustíveis fósseis, dos quais a civilização se tornou completamente dependente. Hoje, quando estamos à beira de uma crise energética, por causa do esgotamento, neste século, das reservas de petróleo, o mundo se descobre completamente vulnerável, e as alternativas colocadas só aumentam o risco de uma grande catástrofe planetária. Os agrocombustíveis, tido e havidos como alternativas "limpas", a se manter o consumo nas bases atuais, desalojarão e substituirão a produção de alimentos, cuja escassez – assim como a da água potável – já atinge mais de um bilhão de pessoas hoje. Podemos afirmar, dessa forma, que vivemos uma crise sistêmica do capital, uma crise civilizatória.

Mudar para manter. Desmoralizado pela exposição pública do fracasso da lorota do mercado auto-regulado, o capital, após uma perplexidade inicial, tenda remendar o modelo, apresentando propostas de mudanças, que deixam tudo como está, mantendo, no essencial, a espoliação e a exploração. Mesmo que esteja, em vários casos, ferido de morte, o capital financeiro conseguiu impor uma socialização de seus prejuízos, fazendo que os Estados nacionais, aqueles mesmos que até há pouco tempo atrás só atrapalhavam, direcionem bilhões em divisas públicas para socorrê-lo. Além disso, apavorados com o agravamento da crise de superprodução, criam medidas para manter, o quanto for possível, o consumo. A lógica é simples e já conhecida: socializar as perdas, salvar as instituições financeiras e manter a lógica consumista que trouxe a civilização à beira do desastre ambiental. Sobre as outras crises, que atingem mais fortemente os mais pobres, nenhuma palavra, ou, no máximo, lágrimas de crocodilo.

Saídas combinadas. O agravamento desta crise civilizatória abre, por um lado, um cenário de mais sofrimento e dificuldades para a classe e para os mais miseráveis e, por outro, a perspectiva de que a esquerda e os movimentos sociais, que até agora amargavam uma conjuntura extremamente desfavorável e de resistência, possam partir para a ofensiva, apontando as contradições e os perigos que duas décadas de neoliberalismo nos trouxeram. Cabe aos partidos e organizações de esquerda desencadear, junto com os movimentos sociais, uma sistemática e profunda campanha de propaganda e agitação. Mas isso é pouco. É necessário que os do lado de cá também possam apresentar, a partir de uma profunda análise sobre as dimensões e as inúmeras facetas desta crise, uma alternativa de conjunto às propostas dos do lado de lá. Esta saída para a crise do capital deve ser um conjunto de iniciativas combinadas que dêem conta de todas as dimensões da crise. Não se pode pensar em resolver a crise econômica, acreditando ser possível que as demais crises possam esperar. Também não é possível sanar a crise da economia real, mantendo o modelo de produção que nos trouxe até aqui.

As respostas de Lula. Até aqui Lula, e seu governo, tem feito o que dele esperavam os bancos, o agronegócio, as montadoras e a construção civil: transferência de recursos públicos para manter aqueles que são os principais financiadores das campanhas de Lula e seus aliados. O Banco Central tem se mostrado um amigo de todas as horas das instituições financeiras, mesmo que os lucros dos bancos continuem batendo recordes. Ao primeiro chororô do agronegócio, o governo acena com a anistia das dívidas; para as montadoras assustadas com a possibilidade de quebra, dinheiro de nossas reservas para financiar o crédito e manter a farra do carro. E para a construção civil, já agraciada com os gordos contratos do PAC, um cheque especial sem limite. Nada de novo, tudo de acordo com o receituário da submissão petista. A mesma submissão que o governo mostra ao facilitar a depredação da Amazônia, dos recursos naturais e da biodiversidade. Ao manter o crédito do carro, por exemplo, ele agrada as montadoras e, possivelmente, os metalúrgicos, mas agrava ainda mais os problemas de mobilidade urbana, além de agudizar o quadro de doenças e mortes provocadas pela poluição do ar, acelerando o ritmo das mudanças climáticas, pela liberação cada vez maior de CO2. Lula vira garoto propaganda do consumo irracional, e aponta como saída para a crise o PAC, com suas obras de interesse público questionável, mas com passivos ambientais comprovados.

Mudanças climáticas como elemento central da crise sistêmica do capital. Negar a responsabilidade humana nas mudanças climáticas que vamos passar a enfrentar neste século, já é uma batalha perdida para o capitalismo e seus cientistas de aluguel. Estas mudanças provocarão impactos ecológicos, sociais e econômicos, principalmente nos países em desenvolvimento, sobre fontes de água, ecossistemas, biodiversidade, alimentos, regiões costeiras e saúde. Hoje, a luta é pela estabilização da temperatura média global e pela redução drástica da emissão dos gases formadores do efeito estufa. As respostas do capital, como se esperava, têm sido insuficientes, já que as mudanças climáticas exigem uma abordagem social e ambiental de tal monta que colocam capitalismo em cheque, e o planeta frente a uma escolha de sociedade, de civilização. As mudanças climáticas são um elemento central da crise sistêmica do capital: um sistema além de seus limites históricos e físicos, estruturalmente incapaz de agir de forma conseqüente. Neste contexto, não podemos nos deixar aprisionar dentro dos limites estreitos do caráter defensivo atual da luta de classes, e o recuo da consciência socialista na maioria dos países. A situação torna possível combinar agitação sobre exigências muito imediatas e propaganda anticapitalista, ao mesmo tempo muito profunda e direta, e por outro lado "básica e muito pouco ideológica". Exemplo: "este sistema está ultrapassado no seu tempo; o sol, o ar, água, etc. são propriedades comuns". Desta forma, pode ser um elemento importante na recomposição da esquerda e na recuperação do protagonismo do discurso socialista no mundo.

Ir além do capital (e do pós-capital) e de sua lógica destrutiva. No seu livro "Para além do capital: rumo a uma teoria da transição", István Mészáros afirma que o capital se articula num tripé formado pelo capital, trabalho e Estado e constitui um processo metabólico de controle de todas as esferas da sociabilidade humana. O capitalismo pode ser derrubado politicamente, mas as lógicas do capital, do Estado, e da divisão do trabalho podem permanecer e, dessa forma, restaurar o capitalismo. Esta incompreensão foi, para ele, a questão fundamental do fracasso das sociedades pós-capitalistas (o socialismo burocrático da URSS e das finadas repúblicas do Leste Europeu) que superaram a dominação política capitalista e formas de propriedade, mas não o controle "sociometabólico" do capital. No mesmo livro, ele menciona a crise ambiental e a luta das mulheres por uma "igualdade substantiva" como indícios de que o sociometabolismo do capital, em sua forma altamente desenvolvida, já se coloca em antagonismo à própria produção social da vida. Nesse sentido, da mesma forma que Malcolm X afirma que "não há capitalismo sem racismo", e as mulheres dizem que não existe possibilidade da construção do socialismo, sem a destruição do machismo, podemos afirmar que não existe possibilidade de superação das várias crises do capital, entre elas a ambiental, mantendo-se intacto o sociometabolismo do capital.

Novo paradigma anticapitalista. Segundo Michael Löwy, em "Ecossocialismo e planejamento democrático", o "Ecossocialismo é a tentativa de fornecer uma alternativa civilizacional radical ao que Marx chamou o 'processo destrutivo' do capitalismo". Neste texto ele cita James O'Connor, em "Natural Causes. Essays in Ecological Marxism":

"o objetivo do socialismo ecológico é uma nova sociedade baseada na racionalidade ecológica, no controle democrático, na igualdade social e no predomínio do valor de uso sobre o valor de troca".

Löwy acrescenta que:

"estes valores requerem: (a) propriedade coletiva dos meios de produção ('coletiva' significa aqui propriedade pública, cooperativa ou comunitária); (b) planejamento democrático, que torna possível a sociedade definir os seus objetivos de investimento e produção; e (c) uma nova estrutura tecnológica das forças produtivas. Por outras palavras, uma transformação revolucionária, econômica e social".

A construção desta nova sociedade, possível e cada vez mais necessária, está na ordem do dia e cabe aos socialistas incorporarem – nas formulações, discursos e ações – o combate à coisificação do capital, que transformou o mundo em um grande supermercado global. Porém, entre a esquerda, também é necessária a crítica tanto à "ideologia produtivista do progresso", quanto à justificativa da depredação "socialista" da natureza, baseada na afirmação de que os fins justificam os meios. Para os ecossocialistas, além da denúncia, propaganda e agitação, fica a tarefa de começar a colocar esta discussão nas agendas de sindicatos, associações, entidades estudantis e organizações dos movimentos sociais, e ajudar a formular nas pautas reivindicatórias, programas e campanhas propostas que indiquem um processo de transição para esta nova sociedade.

Novas pautas, novas propostas. Como se trata de atacar o capitalismo por outra vertente que não seja a das lutas econômicas e do marco do trabalho, antes de mais nada cabe a nós militantes de partido, organizações e movimentos sociais nos engajarmos em um profundo processo de formação, sem perder de vista nossa atuação prática no dia-a-dia. A formulação teórica e a discussão aprofundada de alternativas que não nos conduzam novamente aos mesmos paradigmas que criaram as crises que enfrentamos, devem estar sempre presentes nas composições de mesas de debate e seminários. Nossa relação com a academia também deve ser dirigida para que possamos, o mais rápido possível, preencher as lacunas teóricas. Mas não começamos do zero. Temos acúmulo suficiente para associarmos as políticas e as práticas neoliberais aos principais problemas enfrentados pela humanidade e pelo planeta.
Denunciamos a fome endêmica no mundo que atinge quase 1 bilhão de pessoas; responsabilizamos a transformação dos alimentos em commodities sujeitas à especulação; e defendemos a recuperação da soberania alimentar pelas nações e suas populações. Denunciamos a escassez da água – com mais de 1,3 bilhão de pessoas sem acesso à água tratada – que se tornará maior com as mudanças climáticas; responsabilizamos os meios de produção capitalista, industrias ou agronegócio, que desperdiçam e sujam a água; e defendemos que a água é um bem universal e público, de uso social e acesso garantido a todos os habitantes do planeta. Denunciamos o saque e esgotamento dos recursos naturais, a depredação dos ecossistemas e da biodiversidade; responsabilizamos o capital, que no afã de manter seu nível de lucratividade, cria condições de inviabilidade para a vida na Terra; e defendemos um desenvolvimento ecossocialista sustentável.
Denunciamos as mudanças climáticas que nestes próximos 50 anos afetarão a vida, principalmente, dos países em desenvolvimento e das populações pobres dos países desenvolvidos; responsabilizamos a sanha do agronegócio desmatando as florestas tropicais em busca de novas áreas de cultivo e criação, a farra de consumo de combustíveis fósseis, seja na produção, como na civilização do carro; e defendemos o fim do desmatamento na Amazônia e outras florestas tropicais, a redução imediata da emissão de CO2 através de acordos multilaterais mais rígidos e sérios do que o fiasco de Kyoto, dentro da lógica de "responsabilidades comuns, porém diferenciadas", o questionamento do consumismo e da prevalência do individual (carro) sobre o coletivo (meios de transporte de massa), e o incentivo ao desenvolvimento de matrizes energéticas alternativas e limpas.

12 de novembro de 2008

A crise que não gosta de dizer seu nome

Anualmente a FAO – Organização das nações Unidas para Agricultura e Alimentação – publica um relatório sobre a situação da fome no planeta. O de 2008, divulgado em meados de outubro, apresenta um quadro desesperador. 923 milhões de pessoas, um em cada 6 habitantes da Terra, vão dormir diariamente com fome. Entre estas, a maioria é de crianças cuja capacidade de desenvolvimento intelectual já está comprometida pela subnutrição. Somente em 2007, 75 milhões de pessoas foram incluídas neste exército de famintos.

Cerca de um mês após esta divulgação, a FAO anuncia outro estudo, com números desconcertantes sobre a previsão da produção de alimentos em 2008-2009. Nele, a FAO aponta, entre outras informações, que a produção mundial de cereais aumentará em torno de 5,3% e alcançará a 2,24 bilhões de toneladas. Além disso, a organização alerta para o aumento do preço dos alimentos, que atingirá principalmente as populações dos países pobres. No primeiro semestre de 2008, os preços dos alimentos aumentaram, em média, 64% em relação aos praticados em 2002. Os cereais apresentaram um aumento de 87%, sendo que o arroz aumentos 46% no período.

Mais desconcertantes ainda são os resultados das transnacionais de alimentos no mesmo período: os lucros da Monsanto, no primeiro trimestre de 2008, dobraram em relação ao mesmo período de 2007, passando de 339 para 700 milhões de euros. A Cargill, no mesmo período, teve seu lucro aumentado em 86%, enquanto que a Mosaic, uma das maiores produtoras mundiais de fertilizantes, obteve resultados 12 vezes maiores nestes três meses.

O mercado resolveu opinar, mesmo desmoralizado pela crise financeira, e achou razões para a alta súbita dos preços, que vinham se mantendo mais ou menos estáveis (descontadas as questões sazonais) nos últimos anos. Os culpados escolhidos foram os chineses e os hindus. A lengalenga pseudocientífica, recheada de lugares comuns, alegou que o crescimento do PIB nestes países tinha aumentado a demanda. Além disso, os chineses, ávidos por proteínas, haviam incluído a carne na sua dieta alimentar diária. Isso teria provocado um aumento na demanda, tanto dos 'food grains', usados na alimentação humana, como nos 'feed grains', utilizados nas rações animais.

Estes sábios só não explicaram o porquê dos preços só terem aumentado nos últimos dois anos, já que o consumo nos países emergentes vem aumentando nos últimos 40 anos. Além disso, nenhuma palavra sobre o fato de que tanto a China como a Índia ainda exportam mais alimentos do que importam.

Evidentemente que estas questões apontadas não foram inventadas. Mas para entender a repentina alta dos preços, depois de décadas de razoável estabilidade, é necessário buscar razões mais estruturais, O fato é que, com o neoliberalismo, a regulação do fluxo dos alimentos foi – assim como em outros setores da economia – entregue ao mercado. O controle da produção de alimentos, baseado no sistema de estoques administrados pelas nações, foi substituído pela disponibilidade dos estoques no mercado, "regulado pelo livre comércio".

Além desta razão estrutural, poderíamos citar outras conjunturais, como a redução dos estoques por conta da crise dos 'subprimes'; ou então o fato de que, a partir da Revolução Verde (1960-1970), a agricultura depende fortemente de fertilizantes e agroquímicos, produzidos a partir do petróleo e, por isso, dependentes da especulação em torno de seu preço.

A pressão pela produção de etanol, seja o fabricado a partir do milho nos Estados Unidos, seja o produzido a partir de outros grãos, pela União Européia, já está afetando o preço dos alimentos. Caso esta política se consolide, esta passará a ser mais uma causa estrutural para a crise de oferta e de alta dos preços dos alimentos.

A aplicação da desregulamentação neoliberal trouxe vários problemas que agravaram a fome no mundo: (1) a comida vai para quem paga mais, não para quem tem fome; (2) a lógica da lucratividade extrema determina o que vai ser plantado e agride o meio ambiente e a biodiversidade; (3) a busca pela "eficiência" ultrapassa os limites da biossegurança (transgênicos). Ou seja, a lógica neoliberal não está assentada nem na segurança, muito menos na soberania alimentar.

A alta do preço dos alimentos básicos já tem provocado várias revoltas por todo o planeta: no México, em janeiro deste ano, mais de 75 mil pessoas manifestaram-se contra a escalada do preço das tortilhas, alimento nacional feito com milho. Com o acordo da NAFTA, foram suprimidas todas as barreiras de importação. Com isso, o milho excedente dos EUA entrou no país a preços baixos, quebrando os produtores nacionais, e tornando o México dependente do milho americano. Com o subsídio para a produção do etanol a partir do milho, todo o excedente americano está sendo carreado para esta produção, o que fez aumentar o preço do milho no México.

No Haiti, em abril, 10 dias de revolta popular provocaram a morte de pelo menos 5 pessoas e ferimentos em mais de 200. A repressão foi coordenada pela MINUSTAH, com destacada participação brasileira. Com grande parte da população à beira da inanição, a alternativa de povo haitiano tem sido a dos biscoitos de barro. Preocupadas com a situação, as autoridades brasileiras enviaram algumas toneladas de alimentos, em uma espécie de "bolsa cesta básica". Além desses 2 países, houve revoltas na Indonésia, no Iêmen, Filipinas, Camboja, Marrocos, Senegal, Uzbequistão, Guiné, Mauritânia, Egito, Camarões, Bangladesh, Burkina-Faso, Costa do Marfim, Peru e Bolívia.

No Brasil, as áreas de produção de feijão tornaram-se áreas do milho – para exportação para os EUA (etanol) – e soja, que substitui o milho na ração animal. Mesmo não sendo auto-suficientes, estamos canalizando a produção de trigo para a exportação. Segundo o IBGE, entre 1990-1996, nos municípios onde houve um aumento de 500 ou mais hectares de áreas de cana, esse plantio substituiu o feijão, o arroz e o gado bovino. A pecuária do Centro- Oeste está sendo desalojada pela soja, transferindo-se para a Amazônia. O Pará já possui o terceiro rebanho do país. Essa pressão tem empurrado ainda mais a fronteira agro-pecuária para dentro da floresta, aumentando o desmatamento.

Os pequenos e médio agricultores que foram engabelados pela lábia da Monsanto, que, à princípio, quase que doou as sementes transgênicas da soja, agora estão lidando com a alta de cerca de 40% no preço dessas sementes, o que, certamente, vai inviabilizar a permanência de muitos deles no campo. Além dos perigos que pode trazer para a saúde da população, para quebrar a autonomia e soberania alimentar das nações, e ter efeitos nocivos sobre a biodiversidade, as sementes transgênicas também são um vetor de concentração de terras no campo.

A "auto-regulação" do mercado está desmoralizada e encontra-se enterrada sob toneladas de papéis podres. É o momento para que os países retomem o direito de definir suas próprias políticas e estratégias sustentáveis de produção, distribuição e consumo de alimentos. Estas estratégias devem incluir a preocupação com o ambiente e com a biodiversidade. A segurança alimentar também deve ser objetos de preocupação, principalmente em relação ao desenvolvimento de espécies transgênicas e ao uso combinado de agroquímicos. E, finalmente, é preciso resgatar – já que alguns apressados tinham decretado a sua morte – a bandeira da reforma agrária ecológica, que é o único instrumento de garantia de produção de alimentos e de solução para a impossibilidade das megalópoles. Enquanto isso, somos todos e todas, do campo ou da cidade, sem-terra!

6 de outubro de 2008

A Terra entrou no cheque especial, e os juros são altíssimos

No dia 23 de setembro, "comemorou-se" o Earth Overshoot Day. As aspas foram colocadas antes que alguém saisse soltando foguetes. O Dia da Ultrapassagem dos Limites da Terra (numa tradução meio mambembe) foi criado em 1995, e marca o dia quando o homem começa a gastar mais recursos naturais renováveis do que a Terra pode produzir no ano. Não é um dia fixo, e serve para se medir o tamanho da gastança e o desperdício provocados pela insanidade do modo de produção capitalista.

Para se ter uma idéia da espiral desenfreada do consumo dos recursos naturais, em 1995, quando o dia foi criado, o Earth Overshoot Day caiu em 21 de novembro e, segundo projeções da ONU (que costumam ser muito conservadoras), em 2050 a "conta recursos naturais" ficará no vermelho em julho.

Quando falamos em recursos renováveis, entenda-se a madeira usada para a produção de papel, as verduras e os grãos que a gente come, e assim por diante. Dizer que ultrapassamos a capacidade dos ecossistemas se regenerarem, é o mesmo que dizer que uma Terra só não é mais suficiente para o padrão de consumo dominante. Atualmente, com o dia caindo em setembro, ou seja, faltando ainda 3 meses para o final do ano, estamos gastando 40% a mais do que a capacidade do planeta. Em 2050, segundo a previsão da ONU, chegaremos à desconcertante situação de precisarmos de 2 Terras.

Como no caso da conta-corrente do locutor que vos fala, os juros do cheque especial da "conta recursos naturais" também são muito altos. Neste caso, eles serão pagos pelas gerações futuras, que terão menos recursos a sua disposição. Aproveitando o exemplo da crise financeira que anda provocando calafrios nos banqueiros/especuladores, enquanto os lucros são privatizados, os prejuízos são "democráticos". Ou seja, enquanto o padrão de consumo dos Estados Unidos, se estendido ao resto dos países, necessitaria de mais de 5 Terras, os países mais pobres não têm direito nem a uma. A China consome o dobro dos recursos naturais disponíveis no seu território. A diferença, ela vem buscar aqui no Brasil e nos demais países do Sul. Com a população que tem hoje, se a China tivesse o mesmo padrão de consumo dos Estados Unidos, ela iria precisar de um planeta para chamar de seu.

Ao invés dos governos facilitarem a desregulamentação – que está provocando o tsunami subprime – e criarem regras e leis que impedem as iniciativas sociais do estado, como é o caso da Lei de Responsabilidade Fiscal, o que o planeta precisa urgentemente é de um grande choque de responsabilidade ambiental, que dê um paradeiro ao desperdício irresponsável do capitalismo. A menos que a corrida espacial nos consiga um planeta B.

20 de setembro de 2008

Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal. Ainda vai tornar-se um imenso canavial (eucaliptal, ‘sojal’, etc.)!

Dia 21 de setembro é o Dia Internacional contra as Monoculturas de Árvores. No Brasil, nada a comemorar. Na Amazônia, apesar de toda a pirotecnia do ministro do Meio Ambiente, a cada mês um estado do Rio de Janeiro é desmatado, em grande parte para o plantio da soja. No resto do País, além das extensas monoculturas do agronegócio, a cana de açúcar e o eucalipto vêm pintando o mapa do Brasil de verde; um deserto verde.

As conseqüências e os impactos deste processo são, entre outras:

  • Perda da biodiversidade (alimentar, medicinal, calorífica, artesanal, potencial de construção, entre outros);
  • Alteração do ciclo hidrológico, que resulta na diminuição e esgotamento de fontes de água, como o aumento de inundações e deslizamentos;
  • Diminuição da produção de alimentos;
  • Degradação do solo;
  • Perda de culturas indígenas e tradicionais que dependem dos ecossistemas originais;
  • Conflitos com empresas florestais que ocupam terras indígenas e outras comunidades tradicionais;
  • Diminuição de fontes de emprego em zonas de tradição agropecuária;
  • Expulsão da população rural;
  • Perda da paisagem em locais turísticos.

As empresas por trás destes empreendimentos insistem em negar o óbvio e, cinicamente, chamam estes desertos verdes de florestas. As bolsas internacionais vêm negociando créditos de carbono, onde o "reflorestamento" é feito pela plantação de eucalipto e outras árvores utilizadas pelas indústrias de papel, processo industrial que causa altos passivos ambientais. Estas indústrias vêm sistematicamente sendo exportadas para os países do Sul, para utilizar água, solo e energia e, em troca, poluir.

Além disso, utilizando como "álibi" a necessidade da substituição dos combustíveis fósseis, por outros que não emitam tantos gases formadores do efeito estufa, a plantação de cana vem se expandindo, batendo seguidamente recordes de produção de agro-combustíveis. Esta expansão ocupa as áreas agriculturáveis nobres e mais perto das usinas, empurrando assim o agronegócio e a criação de gado para o Norte e Centro-Oeste, ou seja, empurrando a fronteira agropecuária para a Amazônia e o Pantanal. Variedades de cana transgênicas adaptadas aos solos e ao clima dessas regiões estão sendo desenvolvidas, enquanto o governo Lula incentiva a introdução da produção de palma na Amazônia.

O saite do World Rain Forest Movement (Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais), de onde retirei algumas informações para este post, também tem alguns vídeos interessantes, entre eles "Montanhas de Papel. Crescente Injustiça", em português, que abre uma importante discussão sobre o uso do papel na sociedade neoliberal. Volto a esta discussão mais para frente, mas, como dever de casa, deixo a sugestão de a gente comparar o papel gasto em notícias e em anúncios nos jornais de amanhã, domingo, 21 de setembro, Dia Internacional contra as Monoculturas de Árvores.

16 de setembro de 2008

Transgênico dá prejuízo para produtores na safra 2008/09

Acho que nós, ecossocialistas, somos uma espécie de Cassandras modernas: somos nós que, atualmente, trazemos as más notícias e, até por causa disso, as pessoas tendem a não acreditar muito no que a gente diz.

Quando o governo Lula introduziu – assim, a seco, sem direito a beijinho e, muito menos, a um jantarzinho antes – as sementes transgênicas no país, fomos nós, juntamente com movimentos sociais, técnicos e pesquisadores de bom senso, que denunciamos o duplo perigo que o Brasil passava a correr deste instante em diante: o alto risco para a nossa segurança alimentar e a perda da nossa soberania alimentar.

Ou seja, passaríamos a consumir alimentos fabricados com substâncias cujos efeitos sobre a saúde são ainda desconhecidos, e que, ainda por cima, são mais resistentes – ao contrário de nós – aos agrotóxicos em que são encharcados. Além disso, ficaríamos todos nós a mercê das transnacionais detentoras das patentes, que poderiam alterar o preço das sementes quando quisessem. Eco-chatos, luditas, foi o mínimo que ouvimos naquele momento.

A notícia abaixo mostra que o dedinho do monstro já está aparecendo. Os produtores que escolheram a soja transgênica da Monsanto começam a perceber, da pior maneira, que a transnacional de santa só tem parte do nome. Bem vindos ao mercado, meus senhores! Acostumem-se a ver o preço dos seus insumos atrelados ao sobe-e-desce do petróleo (mais sobe do que desce), à guerra do Iraque, às constipações intestinais do presidente dos EUA, ou coisa do gênero. E não adianta pedir arrego, anistia da dívida ou se queixar ao Papa, como vocês costumam fazer com estes presidentes- banana que o Brasil costuma ter. No mercado, como vocês sabem, o lema é: "tudo para os peixões e pau nos bagrinhos". E vocês, na cadeia alimentar do mercado, estão abaixo das manjubinhas.

Dá vontade de dizer bem-feito e seguir a vida, se a gente também não fosse se estrepar. Não nos esqueçamos que, nessa mesma cadeia alimentar, somos todos girinos. Está na cara que essa corda vai acabar arrebentando onde e como sempre arrebenta: a população tendo que paga a conta da alta do preço dos alimentos. Pagar cada vez mais caro, por um alimento cada vez mais escasso e não-saudável. Próxima parada: Soylent Green (vejam o filme)

Brasil - 9/9/2008

Enquanto os produtores de sementes convencionais irão trabalhar com aumentos moderados, e em algumas regiões até mesmo queda, no preço dos herbicidas na safra 2008/2009, os produtores de sementes geneticamente modificadas terão um aumento significativo nos custos de produção, puxado pelo incremento nos preços dos defensivos à base de glifosato. Segundo levantamento feito pelo Scot Consultoria, o preço da embalagem de 20 litros do Roundup, marca líder de mercado, aumentou de R$ 249,56 em agosto de 2007 para R$ 348,00 em agosto deste ano.

A última tabela com os custos de produção da safra 2008/2009 divulgada pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) já mostra os efeitos da alta do produto no bolso do agricultor. Os cinco municípios avaliados pela estatal apresentaram aumento nos gastos com agrotóxicos.

"O preço dos defensivos ficou estável nessa safra, com exceção daqueles à base de glifosato. Como o produtor compra muito esse produto ele acabou puxando para cima o preço dos agrotóxicos como um todo", disse Asdrúbal Jacobina, gerente da gerencia de custo de produção Conab.

O Rio Grande do Sul é o maior estado produtor de soja transgênica. De acordo com a Agroconsult, na Região Sul, a presença de transgênicos foi verificada em 82,1% das amostras de soja. No Brasil, a prevalência de lavouras de soja transgênicas é de 59,1%.

O produtor de transgênicos também arca com um custo maior na aquisição de sementes já que são impedidos de multiplicá-las pela lei de patentes. Para essa safra, a Monsanto já anunciou que aumentará em 17% o royalty da soja transgênica. A cobrança da taxa passará de R$ 0,30 para R$ 0,35 por quilo, já os agricultores que plantarem soja modificada a partir de semente própria deverão repassar 2% do valor de sua colheita para a empresa. Só no Rio Grande do Sul a empresa deve recolher mais de R$ 100 milhões dos agricultores.

Em Cruz Alta (RS), o preço da semente (já com o custo do royalty incluído), subiu de R$ 69,95 para R$ 85,29 por hectare.

Sobre o custo do glifosato, a Monsanto esclarece que dois fatores são importantes na avaliação dos preços atuais dos herbicidas: o incremento do preço do petróleo, que interfere diretamente nas matérias-primas que compõem o produto, além do aumento da demanda global do produto. A empresa informou ainda que está investindo mais US$ 150 milhões na fábrica de Camaçari, na Bahia, unidade que produz a matéria-prima do glifosato, para atender à maior demanda do produto.

De acordo com Gabriel Fernandes, agrônomo da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (ASPTA), o aumento na procura pelo por defensivo à base de glifosato não está ligado ao benefício do produto, mas sim à dependência. "Nos dois, três primeiros anos o uso de herbicida cai, mas depois a semente fica mais resistente e o produtor tem que aumentar volume de aplicação", afirmou.

Para Fernandes, o fato dos produtores de soja não encontrarem na prática os benefícios que as empresas tinham anunciado deve desestimular a expansão do milho transgênico que terá seu primeiro plantio na safra atual.

Acreditando na ampliação do nicho de mercado de sementes convencionais está sendo criada oficialmente hoje a Associação Brasileira dos Produtores de Grãos Não Geneticamente Modificados. A entidade reúne empresas como o grupo Maggi, Caramuru Alimentos, Imcopa e Brejeiro.

Fonte: DCI - Diário do Comércio & Indústria

11 de setembro de 2008

Quem desorganiza a cidade?

Como era de se esperar, a mídia e os candidatos conservadores vêm repetindo, nesta campanha, o discurso da desordem urbana, colocando como principais responsáveis os setores mais pobres da população. São eles que atravancam as calçadas com suas bancas de camelô, que atrapalham o trânsito com as vans piratas, que ocupam irregularmente as encostas, colocando em risco o meio ambiente. São eles que perambulam e cheiram cola nas esquinas, que se organizam em comandos levando a violência e o terror a toda a cidade. São os mesmos que jogam lixo e esgoto nos rios e lagoas e destroem a floresta. Este é o discurso oficial, ideologia barata que vêm sendo enfiada goela abaixo pelos meios de comunicação, em especial as Organizações Globo.

Desta forma, já era esperado – como, de fato, vem acontecendo – que nas entrevistas e debates, esta tal desordem fosse colocada no centro da discussão e brandida contra os candidatos da esquerda. Nas entrevistas, seja de forma mais simpática, ou procurando encostar os candidatos nas cordas, a preocupação dos apresentadores é, a partir da associação entre "desordem urbana" e ocupações nas encostas, questionar qual as propostas dos candidatos em relação à remoção de favelas.

Nos termos em que este ponto está sendo colocado, o time da esquerda vai sempre jogar no campo adversário e, conseqüentemente, na defensiva. Discutir problemas e soluções para questões originadas de uma avaliação com qual não concordamos, é cair na armadilha de quem insiste em vender, e dar ares de normalidade, a uma concepção de cidade restritiva, elitista e autoritária.

A verdadeira discussão é sobre quem é o responsável pelo caos urbano, ou melhor, sobre quem desorganiza a cidade. Nestas eleições, além de colocarmos na roda nossas propostas, é fundamental que a esquerda traga essa discussão para o centro do palco, apontando o real culpado. Ao invés de aceitarmos esta sabatina cínica e nos submetermos ao papel de administrador das mazelas do neoliberalismo e de despachante dos interesses das grandes empresas, temos que usar o espaço eleitoral para fazer alguns questionamentos incômodos aos conservadores e desconstruir falsas verdades.

Por que o Rio de Janeiro e sua população devem viver em função da ditadura do automóvel? Por que o consumismo e o desperdício devem ser tão cultuados e incentivados na nossa cidade? Por que o transporte coletivo da cidade deve ser tratado como uma ação entre amigos mafiosos, que impõem seus interesses em detrimento das necessidades da maioria da população? Por que a geografia e os pólos econômicos e produtivos da cidade podem ser redesenhados à vontade pela especulação imobiliária? Por que mansões e condomínios construídos nas encostas dos morros "preservam a natureza", enquanto as comunidades são uma ameaça ambiental? Por que serviços regulares de fornecimento de água e saneamento básico tornam-se mais raros, à medida que vão se distanciando das áreas nobres e a cor da pele da população vai enegrecendo? Por que superfaturar obras desnecessárias e deixar Saúde e Educação à míngua?

Por que manter enormes contingentes em situação de desemprego estrutural, tendo que "correr atrás" para sobreviver, enquanto milhões são destinados a projetos de desenvolvimento insustentável que ajudam a destruir ainda mais o meio ambiente e a saúde das populações que vivem no seu em torno? Por que reclamar do aumento da violência gerado por estas situações, quando a cidade está organizada para perpetuar a miséria, a fome e a exclusão? Como podemos falar em ordem urbana, se ela traz o caos e barbárie para a maioria de sua população, segregando-a e tornando-a cada vez mais miserável e despossuída do acesso aos serviços mais básicos? Por que continua a destruição das áreas verdes da cidade, assim como a impermeabilização do solo e a emissão dos gases formadores do efeito estufa, como se as mudanças climáticas não fossem atingir a nossa cidade?

Quem desorganiza a cidade é o neoliberalismo, dissociando a cidade de seu espaço físico, do meio ambiente onde ela está colocada e, principalmente, da maioria de seus habitantes. As favelas, as vans, as ocupações urbanas, o comércio informal dos camelôs, os gatos de água e luz, não devem ser vistos como instrumentos da desordem urbana, mas como formas de resistência ao caos e barbárie neoliberal. São soluções limitadas e, por isso, imperfeitas, mas que apontam para a existência de uma outra cidade, que resiste ao avanço da criminalização e da responsabilização dos pobres e dos movimentos sociais por tudo que existe de negativo na cidade, mesmo que não lhes caiba nenhuma responsabilidade. Os futuros governos da esquerda devem estabelecer novas relações com esta população, dando-lhe voz e poder, e sendo parceiro em uma grande reforma urbana ecológica e socialista que o Rio tanto precisa.

9 de setembro de 2008

Você me conhece?

Não sei se os 4 leitores desse blog têm as mesmas esquisitices do escriba que vos fala. Provavelmente não. Eles devem ter coisa melhor para fazer, do que acompanhar o triste e cômico horário eleitoral na TV. Se na ditadura militar os candidatos apareciam em fotos 3 X 4, ainda hoje o horário eleitoral é uma foto do Brasil, sem retoques e Photoshop, principalmente na propaganda dos candidatos a vereador. Aqui no Rio, eles costumam começar suas aparições com a frase "você me conhece", deixando o blogueiro aqui com a sensação de que é completamente desenturmado, já que eu não conheço ninguém.

Mas isso é tema para um outro post, em um outro blog. Esse aqui está destinado a comentar a presença (ou a falta dela) do meio ambiente nos programas dos candidatos a prefeito. Mais do que isso, este blog criou especialmente para estas eleições o selo 'Socialismo ou Barbárie' destinado a ajudar os eleitores e eleitoras ecossocialistas a identificar os candidatos e candidatas com preocupações ambientais e sociais legítimas. Para não parecer propaganda eleitoral, vou escolher 3 candidatos de um mesmo partido – o PSOL – que concorrem obviamente em cidades diferentes, já que o partido tem lá suas divisões, mas não chega a tanto.

Escolhi o PSOL porque meu objeto de análise são aqueles e aquelas que mantém um compromisso com a construção do socialismo, e o PSOL é um dos únicos partidos representantes que ainda se assumem como tal. Vou me basear no que tenho visto e lido sobre o programa dos candidatos, porque este blog considera que o programa de governo é o cartão de visitas de um futuro governo, mesmo que essa prática esteja cada vez mais em desuso nestas plagas. Mas também vou levar em conta se as posições que as campanhas vêm tomando se adéquam ao programa escrito. A prática como critério da verdade (sempre quis colocar esta frase em algum texto).

Em Fortaleza, a Frente de Esquerda Socialista (PSOL e PSTU) apresenta Renato Roseno como candidato. No seu site, existe um link para vídeos dos programas de TV. E o conteúdo deles é um colírio para os olhos do blog: áreas verdes, preservação das dunas, aquecimento global, saneamento, lixo, poluição do solo e das praias, ocupação do solo, está tudo lá, de forma didática, ao lado das reivindicações tradicionais dos programas de esquerda, como saúde, transporte, educação. Uma perfeita tradução do que significa ecossocialismo. A Frente de Esquerda Socialista de Fortaleza merece, desta forma, o selo 'Ecossocialismo'.

Por outro lado, geográfica e politicamente falando, temos em Porto Alegre a coligação Sol e Verde (PSOL e PV), cuja candidata a prefeita é a companheira Luciana Genro. O plano de governo pode ser encontrado aqui e é bastante extenso quando fala nas questões ambientais. Porém, aqui as ações valem mais do que as palavras. Quando a maioria da direção do PSOL em Porto Alegre anunciou a coligação com o PV, muitos ecossocialistas – inclusive este blogueiro – apresentamos nossas preocupações. Sem nenhum purismo, nem sectarismo, o PV há muito despiu sua fantasia ambiental, para usar o surrado terninho de partido de aluguel. Não usam mais nem aquele discurso eco-capitalista que tinham seus fundadores (entre eles o Gabeira, daqui do Rio). Alguns gaúchos renitentes bateram no peito e falaram que lá nos Pampas até o PV era diferente e daí, tese que durou pouco tempo, até que se descobriu entre os financiadores do PV estava a Aracruz. Mas agora, durante a campanha descobre-se que a Gerdau, uma siderúrgica que tem causado enormes passivos ambientais, doou 100 mil reais à coligação. Infelizmente, o verde deve ter tapado o sol e, por 100 mil dinheiros, os passivos ambientais viraram passado. Como doação eleitoral é compromisso, para a coligação Sol e Verde, o selo 'Barbárie'.

A terceira e última campanha é a da Frente Rio Socialista (PSOL e PSTU), daqui deste balneário chamado São Sebastião do Rio de Janeiro. Seu programa está disponível sob o nome '50 pontos para um programa de governo'. As questões ambientais estão catalogadas nos pontos 29 a 32. Custa crer que a Cidade Maravilhosa tenha tão poucos problemas ambientais. Tudo bem que o número do partido, 50, cria uma limitação, mas a questão não é a quantidade de pontos programáticos, mas a sua qualidade. Se fosse possível, bastaria usar o CTRL-C e o CTRL-V e colocar estes itens no programa de qualquer outro candidato aqui do Rio, e ninguém perceberia! Nenhuma menção à desordem urbana provocada pelo neoliberalismo; nenhuma disputa contra esse modelo hegemônico de cidade; e nenhuma referência a uma visão radicalmente diferente, uma possibilidade ecossocialista de cidade. Porém, como atenuante, por morar aqui no Rio sei que existem dados, análises, diagnósticos e propostas que foram construídas nesse sentido alternativo. Infelizmente optou-se por uma versão pasteurizada de meio ambiente, talvez para não passar uma visão meio "irresponsável", quando a ousadia e a irresponsabilidade nunca foram tão necessárias. Por isso, o júri resolveu que esta campanha ficou em um meio termo entre o Ecossocialismo e a Barbárie, ganhando dessa forma o selo 'Ou'.

Como estamos em tempos de iteratividade, conclamo meus 4 leitores a deixarem um comentário sobre outras campanhas (de preferência de partidos e frentes de esquerda, porque senão não tem nem graça) e qual o selo confeririam a cada uma delas. Grande abraço. Fui.

8 de setembro de 2008

A história das coisas

A História das Coisas, tradução para o original em inglês "The History of Stuff", é um curta-metragem de mais ou menos 20 minutos, produzido e apresentado por Annie Leonard. Considero uma veículo muito importante para começar a discussão sobre ecossocialismo. Esta versão é legendada em português de Portugal e é dividida em 3 partes. Para quem ainda não viu...





5 de setembro de 2008

Ecologia e Socialismo numa hora dessas!

Em uma época onde as egotrips e a busca individual pelo sucesso nunca foram tão hegemônicas e decantadas, pode parecer, à primeira vista, uma contradição utilizar um dos meios de comunicação mais representativos dessa época, os blogs, para falar de duas coisas que pareciam estar superadas pela "marcha inexorável da civilização rumo ao progresso": ecologia e socialismo.

Mas pare um pouco, olhe em volta e veja se este mundo feliz que criaram para você faz realmente algum sentido. O capitalismo, nunca foi tão hegemônico como agora, depois da queda do Muro. O mercado, onipotente e todo poderoso, tinha todas as condições de criar o tal mundo harmonioso, tão decantado em verso e prosa pelo capitalismo.

Aí você olha em volta e vê a fome, a sede, o desemprego, a violência, a depredação do meio ambiente e o esgotamento dos recursos naturais, como se estivéssemos vivendo os últimos dias de Pompéia, sem nenhuma preocupação com a ampla maioria das pessoas que habitam o planeta hoje, nem com as futuras gerações.

Pessoas e recursos naturais tornaram-se comoditties e agora ficam armazenados nas prateleiras para serem utilizados e esgotados quando necessário, sendo vendidas da mesma forma que ações na bolsa, ou seja, visando obter o maior lucro, no menor espaço de tempo e com o menor investimento possível.

Ao som da orquestra do Titanic, este último baile da Ilha Fiscal vai explorando gente e depredando a natureza, sem pensar no amanhã. Este imediatismo é acalentado por uma sociedade de consumo que valoriza as coisas (e pessoas também) pelo preço que podem alcançar, e não sua pela real utilidade. A cidadania foi substituída pelo consumo, e as pessoas são valorizadas, não pelas suas ações na sociedade, mas pela possibilidade de comprar, usar e, rapidamente, jogar fora.

Mesmo o mais renitente capitalista já percebeu que essa conta não fecha! O ar, as águas e o solo estão cada vez mais emporcalhados; as cidades, entupidas de carros, estão paralisadas no trânsito; a comida está cada vez mais contaminada por agrotóxicos e outras substâncias químicas; a maioria das populações é empurrada para as áreas mais distantes e ambientalmente degradadas, ou então opta por morar precariamente perto das zonas economicamente ativas, já que o transporte coletivo é caro, poluente e escasso.

Como na história do escorpião e da tartaruga, não adianta esperar outro comportamento do capitalismo, porque é de sua natureza ser predatório e excludente, como sempre o foi. Não existe espaço para um "eco-capitalismo", porque o capitalista não tem "preocupação ambiental", nem "responsabilidade social", ao contrário do que eles gostam de dizer em propagandas caríssimas. Ele visa o lucro.

Então, mesmo que tanta gente letrada e sapiente tenha decretado a inevitabilidade deste status quo, é necessário procurar alternativas antes que a barbárie alcance cause mais sofrimento para as camadas mais pobres do planeta. Com o aquecimento global, as mudanças climáticas vão levar a fome, a sede a níveis inimagináveis. Se hoje o mundo deplora a brutalidade da guerra pelo petróleo no Iraque e Afeganistão, é porque ele não tem idéia de como será a guerra pela água.

É preciso que a gente acredite que um novo mundo é possível! Que as pessoas podem viver em um mundo, onde as relações sejam baseadas na solidariedade e não na competição. E que podem construir uma nova sociedade, que caminhe para o desenvolvimento pleno das pessoas, respeitando os ciclos naturais e deixando um planeta melhor de se viver para as futuras gerações.

O socialismo continua sendo vital como o ar e água. E mostrará mais vitalidade, se puder se reconstruir como idéia libertária, generosa e transformadora, que leva em conta a continuidade da vida no planeta. Este é o dilema colocado hoje para a humanidade: ecossocialismo ou barbárie.

4 de setembro de 2008

Entidades denunciam ação de transnacionais para impedir reavaliação dos agrotóxicos mais nocivos à saúde

Dezesseis entidades nacionais lançaram nota pública denunciando a estratégia das empresas que produzem e comercializam agrotóxicos, um grupo de transnacionais, para impedir a reavaliação - e a possível retirada do mercado - dos produtos considerados mais nocivos à saúde.

Ano passado, o Brasil tornou-se o segundo maior consumidor mundial de agrotóxicos, atrás apenas dos Estados Unidos. Em 2006, aconteceram 9.600 registros de intoxicação por estes produtos no país, 17% acima do ano anterior. Leia abaixo a íntegra do texto das entidades.


NOTA PÚBLICA


DESREGULAMENTAR PARA ENVENENAR:

Transnacionais querem impedir a reavaliação dos agrotóxicos no país,
colocando em risco saúde da população brasileira.

Em 2007, o Brasil tornou-se o segundo maior consumidor mundial de agrotóxicos, atrás apenas dos Estados Unidos. Entre 2002 e 2007, o faturamento líquido do setor passou de US$ 1,9 bilhão para US$ 5,4 bilhões e a tendência de crescimento deve continuar, graças ao fortalecimento do modelo exportador de commodities agrícolas.

Entretanto os prejuízos e benefícios que esse modelo produz são muito mal distribuídos.

No que se refere à expansão do uso dos agrotóxicos, os prejuízos ficam para os pequenos produtores rurais e a população em geral. Segundo o Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas, em 2006, os agrotóxicos de uso agrícola e doméstico totalizaram quase 9.600 registros, 17% acima do ano anterior, e para cada intoxicação notificada estima-se que há outras 50 não comunicadas.

A maior parte delas ocorre no campo, entre trabalhadores rurais, que não recebem treinamento adequado para entender o código de cores que indica a toxicidade de um produto, compreender as informações complexas apresentadas nas bulas, ou interpretar corretamente o significado dos pictogramas, que os avisam que devem usar máscaras ou luvas.

Porém os danos dos agrotóxicos também atingem a população urbana, pois, segundo o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), parte considerável dos alimentos chegam às mesas das pessoas com resíduos de agrotóxico acima do limite recomendado, ou contaminados por agrotóxicos não apropriados para aquela cultura.

Por outro lado, os benefícios são apropriados por um grupo de 10 empresas, quase todas transnacionais, que controlam o mercado nacional de agrotóxicos. Bayer (Alemanha), Syngenta (Suíça), Basf (Alemanha), Monsanto (EUA), Dow Chemical (EUA), Milenia/Makteshim Agan (Israel), DuPont (EUA), FMC (EUA), Nortox (Brasil) e Arysta (Japão), juntas, são responsáveis pela comercialização de mais de 90% dos agrotóxicos no Brasil.

Estas empresas, individualmente ou através do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Agrícola (SINDAG), vêm recentemente obtendo uma série de liminares contra a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) do Ministério da Saúde, e conseguindo impedir ou adiar o processo de reavaliação dos agrotóxicos registrados no país.

A reavaliação é um procedimento que permite que um agrotóxico seja retirado do mercado. A mudança no registro pode ocorrer por diferentes motivos: quando pesquisas apontam para novos riscos à saúde humana ou ao meio ambiente; no caso de uma perda de efetividade do agrotóxico, ou ainda se produtos menos tóxicos são desenvolvidos para substituir os antigos.

No Brasil, cabe aos Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Saúde, e do Meio Ambiente, dentro de suas competências, promover a reavaliação de agrotóxicos quando surgirem indícios da ocorrência de riscos que desaconselhem o uso desses produtos. A reavaliação no país vem sendo realizada pela Anvisa desde 2000 e, para 2008, a agência havia programado reavaliar 14 substâncias.

Entretanto, o processo vem sendo constantemente interrompido por ações judiciais movidas pelas empresas.

Em abril de 2008, a companhia japonesa Arysta conseguiu um mandado de segurança que impede a Anvisa de alterar o registro dos agrotóxicos produzidos a partir do acefato. Em julho, o SINDAG conseguiu, com uma liminar, interromper a reavaliação de nove princípios ativos (triclorfom, parationa metílica, metamidofós, fosmete, carbofurano, forato, endossulfam, paraquate e tiran).

Em agosto, a italiana Sipcam Isagro entrou na justiça com um pedido de anulação do processo de reavaliação da cihexatina, numa tentativa de impedir que a Anvisa publique as restrições a esse agrotóxico. Muitos desses produtos têm seu uso proibido ou restrito na Europa e nos Estados Unidos.

A partir dessas ações, a Anvisa vem sendo impedida de realizar uma de suas atribuições fundamentais: proteger a saúde da população. Nesse contexto, é fundamental que seja amplamente divulgada à sociedade essa tentativa das indústrias, inclusive grandes transnacionais, de dificultar a atuação reguladora dos órgãos de saúde pública.

Também o poder judiciário não pode permitir que uma medida ligada à garantia do direito a saúde dos cidadãos brasileiros seja flexibilizada em nome do interesse privado de empresas cujas atividades têm resultado em intoxicação de trabalhadores, contaminação de ecossistemas e diminuição da qualidade de nossos alimentos.

À Anvisa deve ser garantido o poder de regular os agrotóxicos no Brasil e à sociedade o direito de participar e decidir sobre a utilização desses venenos no seu cotidiano.

Assinam a nota:

GT Químicos da Rede Brasileira de Justiça Ambiental
Articulação Nacional da Agroecologia - ANA
Comissão Pastoral da Terra - CPT
Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil - FEAB
Federação Nacional dos Farmacêuticos - FENAFAR
Fórum Brasileiro de Segurança Alimentar e Nutricional - FBSAN
Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor - IDEC
Marcha Mundial das Mulheres - MMM
Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST
Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais - DhESCA Brasil
Rede Brasileira de Justiça Ambiental - RBJA
Rede Brasileira Pela Integração dos Povos - REBRIP
Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente / Plataforma DHESCA Brasil
Terra de Direitos
Via Campesina


Sexta-feira, 29 de Agosto de 2008
www.ecoagencia.com.br

A morte cansada

Se dinheiro chama dinheiro, como dizem, então pobreza chama pobreza - e tragédia agoura tragédia. Procurada em Guariba para conversar sobre o marido, morto após passar mal no canavial em 2005, Maildes de Araújo se põe a falar do morto de duas semanas antes: o cunhado, também cortador de cana. José Pindobeira Santos tinha 65 anos. Colheu cana até o ano retrasado. “Ele reclamava da barriga, de cólicas”, diz a filha Ivanir, faxineira. Voltava da lavoura com dor na virilha. Nunca se tratou ou foi tratado.

Pindobeira morreu de obstrução intestinal e broncoaspiração. Não se sabe até que ponto a lida na roça baqueou sua saúde. Nos anos 1960 já cortava cana nos arredores de Guariba.

Seu concunhado Antonio Ribeiro Lopes, o marido da baiana Maildes, veio ao mundo em julho de 1950, três dias antes do fracasso supremo do futebol pátrio, a final da Copa. Migrou de Berilo (MG), município da paupérrima região do Vale do Jequitinhonha.

Em acidentes registrados - a subnotificação é considerável -, o facão rasgou-lhe perna e joelho. Dores no ombro direito o afastaram da roça. Penava com dor de cabeça. O empenho no trabalho desencadeava cãibras na barriga, nas pernas e nos braços. Sofria da doença de Chagas, mas não o licenciaram. Era funcionário da usina Moreno. Sucumbiu no campo e o levaram para o hospital. Causa da morte: “cardiopatia chagásica descompensada”.

Lopes integra a relação de duas dezenas de canavieiros mortos no interior paulista de 2004 a 2007, o caçula com 20 anos. A lista foi elaborada pela Pastoral do Migrante - há mais mortes, não contabilizadas.
Dela não constam acidentes de trabalho - em 2005, de cada mil trabalhadores no cultivo da cana, 48 sofreram acidente ocupacional, registraram as pesquisadoras da USP Márcia Azanha Ferraz Dias de Moraes e Andrea R. Ferro.

Naquele ano, segundo o Ministério do Trabalho, morreram de acidentes 84 pessoas no setor sucroalcooleiro, incluindo lavoura e indústria (3,1% das mortes por acidentes de trabalho no Brasil). O Ministério Público do Trabalho investiga a razão dos óbitos e sua associação com o caráter exaustivo do corte manual.

Relatório de 2006 da Secretaria de Inspeção do Ministério do Trabalho enumera dezenas de irregularidades em empresas nas quais trabalhavam os lavradores que morreram.

Uma é o não-cumprimento do descanso de uma hora para o almoço. Os cortadores comem em dez, 20 minutos, para logo empunhar de novo o facão. Eles ganham por produção. Nenhum laudo atesta que a atividade foi decisiva para os óbitos. Seria difícil: dos oito esquadrinhados pelo ministério, só em dois houve necropsia.

O texto da Secretaria de Inspeção afirma: “As causas de mal súbito, parada cardiorrespiratória e AVC [acidente vascular cerebral], descritas nas certidões de óbito, não são elementos de convicção que justifiquem a morte natural, como alegam as empresas”.

Há indícios sobre por que morrem os canavieiros.

Em 1985, os cortadores do Estado produziam em média 5 toneladas diárias de cana. Em 2008, são 9,3 toneladas, 86% a mais. Há 23 anos, um lavrador recebia R$ 6,55 por tonelada e R$ 32,70 por jornada. Em 2007, 1.000 kg valeram R$ 3,29. A remuneração por dia, R$ 28,90 (menos 12%).

A produtividade disparou e o salário caiu. Com a mecanização acelerada do corte e a expansão do desemprego, ficam os mais eficientes. O homem compete com a colheitadeira.

Os números de 1985 e 2007 são do Instituto de Economia Agrícola. Atualizados para reais de agosto de 2007, encontram-se em artigo dos pesquisadores Rodolfo Hoffmann (Unicamp) e Fabíola C.R. de Oliveira (USP).

“Penoso” e “desumano”

José Mário Gomes morreu em 2005 aos 44 anos. Era empregado da usina Santa Helena, do grupo Cosan, líder da produção de cana no planeta. “O óbito ocorreu nos períodos de maior produtividade, com picos alternados”, informa o Ministério do Trabalho.

Valdecy de Lima trabalhava na usina Moreno, como Antonio Ribeiro Lopes. Em 7 de julho de 2005, desabou na roça. Morreu aos 38 anos, de acidente vascular cerebral. Em 17 de junho, decepara 16,5 toneladas.

A Moreno alega que as mortes de Antonio e Valdecy “não ocorreram em decorrência do esforço do trabalho”. A Cosan diz que as causas do óbito de José Mário “ainda estão sendo investigadas pelos órgãos competentes. A empresa prestou todos os atendimentos necessários e colocou seu departamento de serviço social à disposição da família do colaborador. A Cosan cumpre rigorosamente a legislação trabalhista”.

O Ministério Público do Trabalho relaciona as mortes à rotina “penosa” e “desumana” e prepara ação contra o pagamento por produção, quando o grosso da remuneração depende do desempenho. É preciso acumular em oito meses, a duração da safra, o suficiente para 12 -a maioria é dispensada na entressafra.

Usineiros e segmento expressivo dos trabalhadores desejam manter o sistema.

O afinco para cortar mais e mais provoca situações como uma acontecida em 2007. Sob o sol, em dia de temperatura máxima de 37ºC à sombra, nove trabalhadores foram hospitalizados após se sentirem mal em uma fazenda de Ibirarema.

Reclamavam de cãibras e vomitavam. Algumas usinas fornecem no campo bebidas reidratantes para a mão-de-obra suportar o desgaste.

Em áreas de corte manual, os canaviais costumam ser queimados antes da colheita. O fogo queima a palha da cana, e restam apenas as varas, o que facilita o trabalho. Quando o facão golpeia as varas com fuligem, o pó se espalha, entra pelo nariz e gruda na pele. A plantação recebe agrotóxicos. O lavrador não costuma receber máscara.

Em tese de doutorado na Unesp, a bióloga Rosa Bosso constatou que o nível de HPAs, substâncias cancerígenas, expelidos na urina de quatro dezenas de trabalhadores era nove vezes maior na safra do que na entressafra.

Em temporada sem colheita, Antonio Lopes sobreviveu como carregador de sacas de açúcar. Maildes o conheceu na lavoura da cana, onde o namoro engatou. Ainda hoje a viúva se orgulha: “Ele não era de enjeitar serviço”.

Publicado na Folha de SP, em 24/08/2008

3 de setembro de 2008

Água: objetivo econômico militar de Washington

Carlos Fazio*
Entorno
La Haine
http://www.lahaine.org/

No começo de 2006, em um discurso na prestigiosa Chatham House de Londres, o Ministro da Defesa britânico, John Reid, advertiu que a combinação dos efeitos das mudanças climáticas globais com os escassos recursos naturais aumentava a possibilidade de violentos conflitos por terras, água e energia.
Mesmo que houvessem precedentes, dada a importância de Reid, sua predição foi o anúncio oficial de que a era das guerras pelos recursos naturais está próxima.
Já antes, a expressão mais significativa dessa perspectiva havia sido um relatório preparado para o Pentágono, em 2003, por uma consultora da Califórnia.
Sob o título de “Um cenário de mudanças climáticas abruptas e suas implicações para a Segurança Nacional dos estados Unidos”, o documento advertia sobre a possibilidade de eventos ambientais cataclísmicos e a emergência de confrontos militares devido à necessidade imperiosa de recursos naturais, tais como energia, alimentos e água, não tanto por conflitos ideológicos, religiosos ou de honra nacional.
Como esclareciam tanto o discurso de Reid, quanto o estudo do Pentágono, o maior perigo não era a degradação dos ecossistemas per si, mas a desintegração de sociedades inteiras, o que produziria uma fome descomunal, imigrações massivas e conflitos recorrentes pelos recursos vitais.
Na perspectiva de Reid, em países pobres e instáveis, o risco resultante poderia ser de colapsos estatais, guerras civis e migração massiva. Um exemplo citado então foi a guerra em Darfur, na África.
Por sua vez, um dos cenários vislumbrados pelo Pentágono era o uso de armas letais pelos assim chamados “Estados belicosos”, com a conseqüente proliferação de armas nucleares.
Desde que Reid formulou seu prognóstico, se passaram 2 anos, e 5 desde que o relatório do Pentágono foi revelado. Como resposta a estas predições, os países industrializados vêm confiando em sua superioridade militar para apropriarem-se dos recursos, assim como na fortificação de suas fronteiras e costas, além de leis xenófobas para frear a entrada de imigrantes indesejáveis, que são criminalizados e, inclusive, como no caso dos estados Unidos , elevados a categoria de “terroristas”.
Nesse contexto, não podemos deixar esquecer que, entre os objetivos do relançamento da IV Frota do Pentágono pelos mares e rios da América Latina e Caribe, está posicionar-se em países que contam com petróleo, gás natural e água.
Está em curso a lógica imperial exposta em um documento de Santa Fé IV (um thinktank do Partido Republicano) que, em 2003, defendeu que “os recursos naturais do hemisfério estão disponíveis para atender a nossas prioridades nacionais”.
Pouco depois, em fevereiro de 2004, o jornal inglês The Guardian revelou um relatório secreto de Andrew Marshall, conselheiro do Pentágono, no qual ele advertia o presidente George W. Bush sobre “os obscuros efeitos do aquecimento global no planeta, a curto prazo”. A falta de água potável, entre eles.
O estudo sugeria que Washington devia “preparar-se para estar em condições de apropriar-se desse recurso estratégico... aonde e quando for necessário”.
Por coincidência, na América do Sul, mais precisamente na bacia do Prata, está o Aqüífero Guarani, o terceiro maior reservatório subterrâneo de água doce do planeta, que supera em tamanho a Espanha, França e Portugal juntos, e que pode abastecer a população mundial durante 200 anos.
O Sistema do Aqüífero Guarani abrange, aproximadamente, uma área de 1,19 milhão de quilômetros quadrados, 70% no subsolo brasileiro, 19% na Argentina, 6% no Paraguai e 5% no Uruguai.
Ali está localizada a “tríplice fronteira”, uma zona de confluência de Argentina, Brasil e Paraguai, vista como um ponto crítico pelo Pentágono desde o 11 de setembro, sob a criação propagandística de que lá existiriam “células adormecidas” da Al Qaeda.
A desculpa para estabelecer uma base militar, instalar, de pronto, escritórios do DEA e do FBI, fazer aprovar localmente leis antiterroristas e negociar convênios de imunidade para suas tropas.
Com essa estrutura militar de caráter contra-insurgente, que opera em coordenação com os aparatos de segurança dos Estados Unidos no local, inclusive a CIA, e seu braço “diplomático-civil”, a Agência para o Desenvolvimento Internacional (USAID, em inglês), a dispersão da IV Frota, agora, nos rios interiores dos países do Cone Sul, indica que a Casa Branca está posicionada e preparada, para travar a guerra pela água nesse pedaço do seu “quintal” contra seus adversários da “velha Europa”, Japão e China.

tradução/traição: pp

*O autor é um reconhecido articulista da imprensa mexicana.