Teorias da conspiração existem faz tempo. Basta navegar no Google e nos deparamos com elas: o homem não alunissou na Lua; Elvis e Jim Morrison não morreram e Paul McCartney está morto; Kennedy foi vítima de um complô que reuniu CIA, o serviço secreto de Cuba e a Máfia; Bush e Bin Laden são cúmplices no 11 de setembro; o Flamengo só foi hexacampeão devido à conspiração que envolveu CBF, Rede Globo, Microsoft, CIA, Corinthians e Grêmio.
Todas as teorias estão amparadas na crença da existência de um plano secreto operado maquiavelicamente por organizações poderosas, acima do nosso controle, ou do nosso vão entendimento.
Algumas delas apresentam argumentos tão débeis que não resistem ao primeiro olhar. A alegada farsa do pouso do módulo lunar Eagle no deserto de Nevada, ao invés do Mar da Tranqüilidade, para ser levada a sério, teria que abstrair a Guerra Fria. Por que os russos deixariam passar esta farsa? Outras são sustentadas por depoimentos de especialistas, cientistas e matemáticos, como aqueles que negavam a possibilidade do Flamengo ser campeão, e do Fluminense escapar do rebaixamento.
A teoria da vez é do "Climagate". Ela surgiu às vésperas da COP-15, 15ª Conferência das Partes da Convenção de Mudanças Climáticas da ONU, que já está sendo realizada em Copenhague, e onde o planeta espera que se acorde um tratado que substitua as insuficiências daquele produzido em Kyoto, no sentido de redução da emissão dos gases do efeito estufa.
Milhares de e-mails supostamente trocados entre os cientistas do IPCC vazaram, revelando um "complô" desta comunidade científica no sentido de supervalorizar a responsabilidade da ação humana no aumento da temperatura da Terra – aumento de temperatura também questionado – e nas decorrentes mudanças climáticas. Não adiantou que estes cientistas denunciassem que suas mensagens tinham sido editadas, colocadas fora do contexto e manipuladas. A teoria estava lançada e colocada em curso.
Imediatamente se deu publicidade a alguns cientistas que vem questionando a associação da ação humana, mais concretamente a ação do modo de produção capitalista, com algum aumento de temperatura no planeta. Para estes, ainda não existe como comprovar cientificamente esta relação, ou pior, não existem indícios de que a temperatura da Terra esteja se elevando.
A quem interessaria, então, esta farsa que envolve milhares de cientistas, entre eles alguns dos mais reconhecidos nas suas áreas de atuação, supostamente mancomunados com a ONU, União Européia, G-77, ong's, ambientalistas, partidos de esquerda, de centro e de direita?
A resposta varia de acordo com o freguês. Para os defensores desta teoria que se alinham à direita, isto não passa de uma orquestração de cientistas "liberais e esquerdistas", no sentido de culpabilizar o capitalismo, o mercado e a livre iniciativa, sob os auspícios da ONU, transformada na ótica destas pessoas, em uma espécie de "V Internacional do Clima".
Para quem abraça esta teoria, a partir de uma lógica pretensamente de esquerda, essa mobilização toda é mais uma maquinação do capital em crise, buscando novos mercados e novas oportunidades de lucro. Todo o incômodo dos governos dos países ricos, toda a resistência dos BRIC's em estabelecerem metas reais de redução de emissão de CO2eq, seria, na verdade, um jogo de cena para encobrir uma nova etapa de acumulação capitalista.
Mesmo que os interesses pareçam ser antagônicos, sua combinação parece indicar a chave para este mistério. A ação do modo de produção capitalista tem feito com que a emissão de CO2eq venha aumentando de forma consistente. Em 1970, foram lançadas na atmosfera 28,7 gigatoneladas, contra 49 gigatoneladas em 2004. A temperatura média global vem subindo nestes últimos 25 anos a uma taxa de 0,19ºC por década, mesmo com o arrefecimento da temperatura, por conta da diminuição da atividade solar, nos últimos 10 anos. Além disso, fenômenos como o degelo da calota polar no verão, detonam um efeito cascata de aumento da temperatura, por conta do menor reflexo dos raios solares, e o decorrente aquecimento das águas dos mares. Desta forma o capital merece ser responsabilizado sim, e este calcanhar de Aquiles deve ser explorado pelos partidos de esquerda e movimento anti-capitalista.
Por outro lado, faz parte da natureza do capital, assim como dos escorpiões, ser incapaz de fugir do seu destino, mesmo que ele signifique sua própria destruição. O Protocolo de Kyoto fracassou porque, ao invés de se buscar definir, em 1990, metas que significassem redução real das emissões, e que nos teriam livrado da urgência e da iminência da catástrofe, o capital preferiu criar um derivativo novo, baseado na compra e venda do direito de emitir CO2eq. Como sempre, dinheiro trocou de mãos, e o problema persistiu. Então, mesmo agora, com a crise molhando os nossos pés, Copenhague fracassará, porque é da natureza do capital priorizar lucros sobre a vida.
Tal como o argumento de armação do hexa do Flamengo soçobrou no empenho do Grêmio no jogo final, a teoria do Climagate não resiste à realidade. Uma fraude deste tipo teria que contar com tecnologia que pudesse derreter geleiras, antecipar estações, acelerar o aumento do nível dos mares, produzir extremos climáticos mais intensos e freqüentes, como os que vêm acontecendo nas Regiões Sul e Sudeste, por exemplo. Tudo isso acontecendo ao mesmo tempo, é uma evidência de um aquecimento a longo prazo.
Mais do que isso, os indicadores têm mostrado que a velocidade de alguns destes fenômenos tem ultrapassado as previsões. E que a combinação deles indica a antecipação dos cenários mais sombrios, com a temperatura média global podendo chegar a +3ºC ou mais ao final do século. Mesmo que, por hipótese cada vez mais remota, pudéssemos estabilizá-la em +2ºC (levando-se em consideração a temperatura do início da Revolução Industrial), mesmo assim a previsão é a de que teremos mais de 250 milhões de refugiados ambientais, a grande maioria proveniente dos países e regiões mais pobres do planeta.
A Conferência de Copenhague ora em curso já tem dado sinais concretos de fracasso. As metas propostas pelos países ricos e BRIC's são jogos numéricos lançados mais para confundir do que para solucionar as questões. Os compromissos voluntários anunciados pelos países indicam um aumento das emissões globais, até que, em 2040, elas sejam o dobro do que são hoje. Esta tendência faria com que a temperatura média global chegasse, ao final do século, a +3°C.
Além disso, apesar de Obama se apresentar como o "eco-presidente" do novo "capitalismo verde", as metas anunciadas pelos EUA são insuficientes, além de que o governo norte-americano (assim como o brasileiro e o chinês) é terminantemente contra estabelecer metas que possam ser questionadas em tribunais mundiais. Um outro documento vazado, e que, portanto, deve ser encarado com cautela, anuncia um plano construído em conjunto pelos governos dinamarquês, norte-americano e inglês, que retira da ONU o controle sobre o cumprimento das metas voluntárias, colocando-o sob a supervisão do Banco Mundial!
É neste contexto de enfraquecimento da ONU, que, diga-se de passagem, não é nenhuma maravilha, mas que ainda detém um verniz um pouco mais democrático que o Banco Mundial, por exemplo, que surge o Climagate. A quem interessa, desta forma, enfraquecer e desmoralizar o IPCC, órgão da ONU? Talvez aos mesmos que não conseguirão sucesso em Copenhague. Se não é possível ao capital encontrar saídas em Copenhague, que se desmoralize então o problema.
Mesmo antes do advento do Photoshop, a burocracia soviética foi capaz de apagar da história e das fotografias, aqueles que condenava á morte e ao esquecimento. Michael Lowy, em "Ecossocialismo e Planejamento Democrático" conta que nos primeiros anos da União Soviética "desenvolveu-se uma corrente ecologista e foram tomadas pelas autoridades soviéticas algumas medidas limitadas de proteção ambiental. Mas com o processo stalinista de burocratização, os métodos produtivistas na indústria e na agricultura impuseram-se por meios totalitários, enquanto os ecologistas foram marginalizados ou eliminados". Provavelmente, este "photoshop stalinista" fez com que o divórcio entre a esquerda e a ecologia durasse tanto tempo, com sérios prejuízos. Aqui no Brasil, a tradição dos PCs foi fortemente baseada no positivismo expressado na idéia do progresso, e no produtivismo.
A defesa do livre "desenvolvimento ilimitado das forças produtivas" não resiste à grave crise ambiental. A matriz fóssil, seja o carvão ou o petróleo, é vetor, não mais do progresso e da realização plena do ser humano, mas da sua destruição. A contradição capital X trabalho permanece, mas se manifesta neste começo de século com uma nova cara. Ignorar ou apagar esta cara, ao invés de nos colocar sob o manto protetor de verdades já conhecidas, só faz aumentar nossa incapacidade de entender o mundo e, desta forma, poder transformá-lo.