25 de novembro de 2009

Se eu fosse conversar com Marina

Está no site do PSOL que "a executiva nacional do PSOL por intermédio de uma comissão de seus dirigentes e parlamentares realizará uma agenda de debates com setores da sociedade civil, dos movimentos sociais a exemplo do MST e entidades sindicais e populares, partidos políticos que compuseram o arco de alianças da nossa candidatura em 2006 (PSTU e PCB), com os nomes apresentados no interior do partido e com a pré-candidatura da Senadora Marina Silva".

O debate com Marina, em especial, tem dado o que falar (escrever e discutir), dentro e fora do partido. Filiados e não-filiados ao PSOL dividiram-se em 2 lados, como em um campo de futebol, apaixonadamente defendendo seus pontos de vista e até vaiando seus adversários, com grande predominância daqueles que são contra a aliança com ela, sequer admitindo o debate. Nesta partida de futebol, existe quem manteve suas posições desde o primeiro tempo, mas também os que trocaram de lado nas arquibancadas, aos 40 minutos do segundo tempo.

Sempre defendi este debate com Marina, nos termos que coloquei no post anterior "Boas intenções apenas não bastam". Mas não defendo uma aliança com ela a qualquer preço. O debate que imagino não é pessoal, nem religioso; é essencialmente político e programático, e, evidentemente, fraterno.

Se – por absurdo, já que não sou membro da Executiva do PSOL – fizesse parte dessa comissão, como ecossocialista que procuro ser, defenderia, não somente para o diálogo com ela, mas em todos os debates anunciados, uma série de pontos que dizem respeito à agenda que gostaria que o PSOL apresentasse nas eleições do próximo ano, e para além delas, assumindo-os como bandeiras de luta. Se me permitem, vamos a eles, com sucintas explicações sobre cada um:

  1. Um modelo de desenvolvimento baseado na justiça social e ambiental, centrado na garantia do bem-viver para todos e todas e no acesso aos bens fundamentais universais tais como água, comida, saúde, educação, habitação, direito à terra, ao conhecimento, etc., com respeito à biodiversidade biológica e social e aos ciclos naturais do planeta, em contraposição ao modelo atual baseado na exploração de pessoas e recursos, submetidos às lógicas do mercado e do consumo. Nesta eleição, a discussão sobre modelos de desenvolvimento vai estar colocada. Cabe apresentar uma alternativa tanto ao desenvolvimentismo devastador de Dilma e Serra, como ao desenvolvimento sustentável de Marina, que não chega à raiz do problema.
  2. Auditoria dos passivos ambientais e à saúde do trabalhador, principalmente das grandes empresas que exportam os lucros e deixam os prejuízos, ao introduzirem indústrias e técnicas poluentes para nosso país, e pressionarem o governo brasileiro a flexibilizar o cuidado com o ambiente. Não é somente o governo Lula o responsável pela degradação ambiental, mas o modo de produção capitalista.
  3. Auditar, em especial, a Dívida Ecológica da Petrobras a partir dos inúmeros passivos ambientais que a produção de petróleo e derivados tem provocado no Brasil e na América Latina, resgatando-a com a utilização de parte da receita da empresa na pesquisa e desenvolvimento de matrizes energéticas limpas. O pré-sal e a Petrobras são o eixo da continuidade do modelo de desenvolvimento fossilizado. É contraditório esperar que as receitas do pré-sal financiem estas pesquisas. Algo como puxar os próprios cabelos para sair do lamaçal onde nos enfiamos. Além disso, através da Petrobras, o Brasil tem assumido um papel sub-imperialista na região.
  4. Engajamento pleno do país no esforço de redução da emissão dos gases formadores do efeito estufa, seja na preservação da Amazônia, como na substituição das tecnologias poluidoras das indústrias, estabelecendo metas de redução próprias, e pressionando, nos organismos multilaterais, por metas planetárias que estabilizem a temperatura média global dentro do limite dos +2°C. Copenhagen promete ser um fracasso ainda maior do que foi Kyoto, como "solução" capitalista para a crise das mudanças climáticas. Fora os países pobres do Sul, nenhum país desenvolvido ou integrante dos BRIC's (Brasil entre eles) quer se comprometer concretamente com metas de redução, preferindo falar em "compromissos políticos" que os ventos dos extremos climáticos podem levar.
  5. Redirecionar a produção de veículos automotivos, privilegiando a fabricação de veículos coletivos sobre a de carros individuais. Aumento na taxação sobre a fabricação e venda de veículos poluentes e/ou consumidores de combustíveis fósseis e isenção tributária para os que utilizam fontes mais limpas e renováveis. Recuperar a extensa malha ferroviária brasileira, privatizada e decadente, para o transporte de mercadorias e pessoas. Retirar o carro individual das ruas, antes que ele nos tire do planeta.
  6. Mobilização dos recursos e esforços do Estado para alcançarmos o Desmatamento Zero na Amazônia, com rediscussão sobre as atividades produtivas na Região, somente liberando novos projetos agropecuários em áreas já desmatadas, com recuperação das áreas degradadas e replantio da floresta nativa em parte da área, garantindo-se a recuperação das áreas de reserva legal e de preservação permanente degradadas. O governo Lula comemorou a queda do desmatamento na Amazônia, e o ministro Minc teve a cara-de-pau de atribuir esta queda à Dilma. É justo comemorar, mas é correto entender que esta queda tem muito mais a ver com a crise econômica que provocou retração no agronegócio, do que à ação da "Mãe do PAC", com suas hidrelétricas construídas no coração da floresta.
  7. Reforma agrária ecológica, com o direcionamento de recursos para a agricultura familiar ou cooperativada, visando à produção de alimentos, em substituição ao atual incentivo ao agronegócio concentrador de terra e renda. Quem pode garantir a soberania alimentar do país, e o fim da violência do campo, é a reforma agrária, seguindo padrões ecológicos.
  8. Revisão do Plano Decenal de Energia, com o cancelamento da construção de novas usinas nucleares, conversão das atuais para usinas a gás natural, e moratória na construção das mais de 80 termelétricas previstas no Plano. Quando a preocupação mundial é a descarbonização da produção de energia, o Brasil pretende atrelar a sua produção a termelétricas alimentadas a carvão, além de construir usinas nucleares no Nordeste, logo em uma região tão eólica e solar.
  9. Rediscussão da atual Lei das Florestas, substituindo-a por outra que garanta a concessão para exploração sustentável, por parte de cooperativas de para ribeirinhos, extrativistas, quilombolas e pequenos produtores, assim como impeça a abertura para o capital nacional e multinacional, por prazo muito extenso e pouca garantia de fiscalização pelo governo, dado o déficit de fiscais na área ambiental. A privatização das florestas, assim como o desmanche da legislação ambiental, são ferramentas utilizadas pelos ruralistas, muito mais afiadas do que as moto-serras.
  10. Reestatização do Setor Elétrico, com financiamentos visando acabar com desperdícios na transmissão, distribuição e consumo de energia. Fim dos subsídios aos grandes consumidores, ampliando o alcance da tarifa social de energia. Essa é uma demanda antiga, anterior aos apagões da Dilma. Somente a otimização estes processos, produziria um ganho de 30%. A energia elétrica para o pequeno consumidor é uma das mais caras do mundo, subsidiando o gasto das indústrias. Maravilhas da privatização.
  11. Rediscutir as obras e metas do PAC, redirecionando-as para o saneamento básico, e obras de infra-estrutura para a reforma agrária e urbana, habitação e meio ambiente, além de ações no sentido de adaptar e minorar os efeitos das mudanças climáticas nos aglomerados urbanos e no campo. As metas do PAC foram construídas em torno do atendimento dos interesses dos setores exportadores, para consolidar o papel do Brasil como grande exportador de recursos e produtos com pouco valor agregado. Os lucros das empresas por conta dessas obras de infra-estrutura serão mínimos frente às despesas públicas no atendimento das tragédias provocadas pelos extremos climáticos.
  12. Recolocar a discussão ampla sobre a transposição do rio São Francisco, culminando em um plebiscito nacional, iniciando imediatamente a revitalização do rio, reconstituindo a mata ciliar e impedindo o lançamento de efluentes de origem industrial, e agrotóxicos. Combater a desertificação e mitigar os efeitos da seca na região do semi-árido, com a construção de 1 milhão de cisternas de placa e a adoção de práticas sustentáveis já experimentadas e bem sucedidas pelas comunidades da região. Enquanto as obras avançam, e as empreiteiras e o agronegócio sorriem, o Velho Chico nunca esteve tão combalido. Assoreamento provocado pela devastação da mata ciliar, poluição provocada por agrotóxicos, pesca comprometida, vidas em jogo.
  13. Pré-sal - baseado na posse soberana deste recurso natural (ainda) estratégico, e na sua utilização dentro de uma perspectiva sustentável, o que significa não utilizá-lo como base de mais um ciclo de desenvolvimento ancorado em matriz fóssil. Ao contrário, utilizar parte da receita para a transição dessa matriz baseada em carbono para um "mix" de matrizes renováveis e mais limpas. Para isso, é fundamental uma Petrobras não somente reestatizada, mas principalmente pública, isto é, migrar do controle e do atendimento dos interesses dos acionistas, para o controle e atendimento dos interesses dos trabalhadores e da maioria do povo brasileiro. Complementa o ponto 3. Lá está a fonte dos recursos para a pesquisa de novas matrizes. Aqui, o dinheiro para a transição. O controle da "torneira", mais do que estatal, é público, de acordo com os interesses da maioria da população.

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