25 de março de 2009

Aquecimento congelado

É decepcionante, em vários sentidos, a Resolução do Diretório Nacional do PSOL sobre o momento político, intitulada "Os trabalhadores não devem pagar a conta da crise" disponível em http://www.psol.org.br/nacional/diretorio/1414-resolucao-sobre-o-momento-politico-os-trabalhadores-nao-devem-pagar-a-conta-da-crise. Se é verdade que o partido dá um salto de qualidade, ao reconhecer a centralidade do enfrentamento da crise, ultrapassando os limites do combate à corrupção, o PSOL não consegue ainda, em sua nota datada de 21 de março, apontar os reais contornos desta crise, o que certamente limita as propostas de combate aos seus efeitos.

Em posts passados, ou em documentos indicados por este blog, foi apresentada uma visão mais ampla desta crise e dos seus efeitos, além da defesa de que as respostas que a esquerda radical, não-cooptada, deva dar a ela, sejam também mais amplas, para darem conta de seus diversos aspectos, já que o que está colocada é uma convergência de várias crises – financeira, econômica, social, ambiental, alimentar, entre outras –, anunciando assim uma crise da civilização do capital.

Infelizmente, a Resolução do PSOL concentra-se somente nos aspectos financeiros e econômicos da crise, repetindo a velha concepção, muito presente ainda em uma parte considerável da esquerda, que insiste em considerar as lutas econômicas como as únicas que, na verdade, interessam. No caso do PSOL, a bem da verdade, a questão da corrupção parece ser a outra questão relevante da conjuntura.

Sobre a crise ambiental, que hoje se concretiza na ameaça que as mudanças climáticas, provocadas pelo aquecimento global, podem trazer à continuidade da vida dos seres humanos e boa parte das espécies no planeta, nenhuma palavra. Isto um mês após ter sido divulgado um relatório da Agência Nacional de Oceanos e Atmosfera (NOAA, em inglês), órgão do Departamento de Comércio norte-americano, que aponta uma aceleração na concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera em 2008, contrariando o senso comum que previa uma redução por conta da crise.

Segundo o Relatório, citado pelo Globo Online em http://oglobo.globo.com/ciencia/mat/2009/02/25/aumento-do-nivel-de-co2-na-atmosfera-acelera-em-2008-754579571.asp, enquanto que, em 2007, o aumento da concentração de CO2 na atmosfera foi de 1,1 partes por milhão (ppm), em 2008 o aumento foi de 2,2 ppm, atingindo a média global de 384,9 ppm, aproximando-se perigosamente (e, ao que tudo indica, cada vez mais rápido) das 400 ppm, número apresentado por vários cientistas como sendo aquele onde as mudanças climáticas – e seus efeitos – se tornarão irreversíveis.

Essa constatação do Relatório, por si, comprova a incapacidade do capital em resolver essa ameaça. Ao contrário, confirma que se a lógica do lucro pelo lucro, da produção pela produção do capital não for substituída por outra radicalmente diferente, os piores cenários previstos pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) serão confirmados, ou mesmo ultrapassados, em um espaço de tempo mais curto.

Pois bem, as mudanças climáticas – de alcance planetário e consequências dramáticas, principalmente para as populações mais pobres – continuam sendo ignoradas pelos partidos de esquerda no Brasil, ou, quando muito, tratadas como coisa exótica, sem que os seus efeitos sejam devidamente compreendidos. Dessa forma, acabam por se eximir de qualquer responsabilidade com as futuras gerações e com o futuro do planeta.

O PSOL acerta ao considerar necessário e fundamental que as forças de esquerda, socialistas e do campo progressista discutam alternativas e apresentem propostas que disputem as saídas pela a crise. Mas se equivoca ao lidar somente com as suas dimensões financeiras e econômicas. Não é possível imaginar ser possível que os outros aspectos da crise possam ficar "congelados", enquanto nos ocupamos das questões "verdadeiramente importantes".

No caso das mudanças climáticas, a urgência de se deter a escalada da temperatura média global, estabilizando-a em até +2ºC – em relação ao início da Revolução Industrial – não permite pensar em saídas que não sejam combinadas para os diversos aspectos da crise, sob pena de as mudanças climáticas tornarem mais dramática ainda a vida dos enormes contingentes, que serão inevitavelmente afetados pela crise.

Além disso, é cada vez mais imperioso combater e derrotar o governo Lula, que vem se comportando como um autista sedado frente à crise ambiental das mudanças climáticas. A cada momento, em cada iniciativa, este governo deixa claro seu compromisso com um modelo de desenvolvimento, por um lado. submisso às necessidades de seus financiadores de campanha: sistema financeiro, agronegócio, construção civil e montadoras; por outro, um modelo produtivista que associa desenvolvimento, com submissão e destruição da natureza. Somente um governo deste tipo apresentaria, por exemplo, um Plano Decenal de Energia que fará aumentar em 165,5% a emissão de CO2 – por conta da entrada em operação de mais 80 termelétricas.

Adotar saídas combinadas para a crise é mais fácil do que a princípio possa parecer, já que muitas propostas já existem, porém ainda isoladas, sem um sentido de unidade. Entre elas, podemos pensar em:

  • Desmatamento Zero para a Amazônia Já, com a criação de um Fundo Internacional de preservação, com controle público;
  • Financiamento do BNDES à EMBRAER para o desenvolvimento de usinas eólicas, visando à criação de fazendas de vento;
  • Ampliação das metas e da abrangência do PROINFA – Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica;
  • Proibição de financiamento do BNDES a qualquer projeto acoplado a construção de termelétricas;
  • Antecipação de prazos e aumento das metas de redução de emissão de CO2 no Plano Nacional de Mudanças Climáticas;
  • Investimento no transporte público limpo, rápido e de qualidade, com subsídio à fabricação de ônibus e trens;
  • Reestruturar o PAC, substituindo a construção de portos, estradas e infra-estrutura que atendem ao agronegócio e a exportação de riquezas, por obras de saneamento e fornecimento de água;
  • No PAC, desenvolver um programa de adaptação das cidades aos efeitos das mudanças climáticas;
  • Investir na pesquisa e desenvolvimento de matrizes alternativas de energia utilizando as receitas do pré-sal;
  • Descontinuar o programa nuclear brasileiro;
  • Substituir a construção de grandes hidrelétricas previstas no PAC por um conjunto de pequenas usinas com menor impacto no ambiente;
  • Subsidiar a transformação dos processos produtivos nas indústrias, visando à eficiência energética, à racionalização do uso de água e recursos naturais, e à redução da poluição do ar, dos solos e das águas;
  • Considerar a água um bem universal, oferecido pelo Estado, com controle público;
  • Reforma agrária ecológica;
  • Crédito para a agricultura familiar;
  • Combate ao deserto verde do eucalipto e cana;
  • Proibição do plantio, consumo e exportação de transgênicos;
  • Voltar a agropecuária para a produção de alimentos, visando o atendimento do mercado interno e exportação solidária do excedente;
  • Programa nacional de habitação ecológica;
  • Redução do uso do carro individual nas grandes cidades;
  • Redução imediata do nível do enxofre no combustível;
  • Incentivo à criação de planos diretores ecológicos;

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