O início de governo do novo prefeito do Rio não traz nenhuma novidade: intervenções pirotécnicas, para mostrar que, agora, existe um novo xerife na cidade. De fato, em comparação ao seu antecessor, misto de prefeito autista, com raros lampejos factóides, o atual alcaide parece um dínamo gerador de energia... negativa.
Desde que começou a ser trabalhado como alternativa mais conservadora ainda a César Maia, Eduardo Paes repetiu um discurso elitista, de repressão a todas as iniciativas populares de resistência a exclusão, a que são submetidas as camadas mais pobres das cidades neoliberais.
Camelôs, trabalhadores dos diversos setores da economia informal, moradores de comunidades pobres, a eles foi atribuída a culpa pelas mazelas da cidade. Contra eles foi brandida a "fulminante" arma do choque de ordem, que prometia trazer de volta a paz para as elites dominantes, acuadas em seus condomínios de luxo, sem poder desfilar em seus carros viciados em jogar CO2 na atmosfera, nem exibir suas jóias ou modelitos trazidos de Miami.
O seu adversário, no segundo turno, teve o mesmo discurso, mesmo que envolto em uma verborréia "muderna", apostando no charme de ex-guerrilheiro, pós-esquerdista, eco-capitalista e neoconservador. Diante de duas faces da mesma moeda e bombardeado diariamente pela defesa desse modelo de cidade para poucos, o eleitor cantou o uni duni tê e escolheu aquele que errou menos no segundo turno.
O que se vê na cidade, desde o primeiro dia de janeiro, são os seus velhos problemas – saúde, educação, mobilidade urbana, habitação, entre eles – mascarados por operações que caçam camelôs, confiscam cadeiras de praia e barracas, revivem a indústria de multas e ameaçam os moradores das comunidades com a volta das remoções. Tudo acompanhado e registrado pela mídia, cujos repórteres e âncoras se comportam como romanos no Coliseu, pedindo mais sangue.
Com a aproximação do Carnaval, além dos trabalhadores informais, o prefeito escolheu os novos inimigos: os blocos de carnaval. As acusações começaram a desfilar pela avenida, mais rápido do que a cadência atual das escolas de samba: engarrafadores de trânsito, usinas de produção de xixi, bando de bebedores de cerveja e drogados, desrespeitadores do silêncio e da moral e dos bons-costumes.
Junto com as acusações, as ameaças: "é preciso controlar o aumento desordenado dos blocos", "o carnaval de rua precisa de um choque de ordem". De pronto os pitboys do governo convocaram os fiscais, cancelaram a folga da Guarda Municipal, chamaram o bispo, aqui d'el rey!
Brinco no carnaval de rua carioca desde a adolescência, quando saía no Cacique de Ramos. Depois de um forçado hiato, acompanhei o surgimento do carnaval de rua na Zona Sul, primeiro na Banda de Ipanema. Mais tarde saía – junto com um monte de barbudos de esquerda – no Bloco do Barbas, que comemorou 25 anos agora em 2009. Pouco a pouco foram surgindo outros blocos, a princípio pequenos e totalmente sem estrutura, até se transformarem nesses rios de gente que, segundo cálculos da Sebastiana (Associação de blocos da Zona Sul, Centro e Santa Tereza), arrastaram mais de 160 mil pessoas em seus desfiles neste ano. Este número corresponde somente aos 11 blocos que fazem parte da Associação.
Como era natural que acontecesse, os blocos atrapalhavam o trânsito quando saíam, mesmo com um número muito menor de foliões do que hoje. Neste tempo todo, desfilando como "passista" e, mais tarde, como "esforçado ritmista", sempre prestei atenção na reação dos que não estavam brincando. Nunca vi nenhuma demonstração de raiva ou irritação contra os brincantes, por parte da população que passava de ônibus, e que acenava ou ficava rindo da esquerda branca e desajeitada. As únicas manifestações contrárias vinham, e ainda vem, dos que passam em seus carros, irritados com a demora em chegar a lugar nenhum, para não fazer nada de relevante, reação típica de uma classe média sem projeto e sem vida.
É engraçado que seja justamente o trânsito a primeira reclamação contra a proliferação dos blocos. Mais engraçado ainda que ela parta exatamente dos proprietários de carros, que reclamam seus direitos de ir e vir, nos quatro dias de feriado carnavalesco e, vá lá, de alguns fins de semana antes do Carnaval. E nós que ficamos engarrafados dentro dos ônibus nos demais 360 dias, enquanto mais e mais automóveis são colocados nas ruas, que "teimam" em não esticar, para dar vazão a esta irracionalidade individualista sobre rodas? Não seria mais justo e democrático que nós, os sem-carro por opção ou por falta de grana, e que somos a maioria da população do Rio, exigíssemos um choque de ordem contra o aumento diário de carros nas ruas do Rio?
Em tempos de aquecimento global, quem contribui mais para a emissão dos gases formadores do efeito estufa? Um carro de som movido a diesel, cercado por um monte de gente movida a álcool, ou um bando de egoístas a bordo de suas possantes e poluidoras máquinas, disputando o direito de ficar engarrafados, com ar condicionado e sistema de som de última geração.
Em uma cidade ecossocialista, este modelo de cidade para poucos não teria vez. Seria sepultado pela vontade e decisão da maioria de seus moradores, que escolheriam o lazer e a cultura, ao invés do desejo pelo consumo individual. Escolheriam harmonizar as manifestações culturais com a necessidade de locomoção em transportes coletivos rápidos e não-poluentes. E saberiam valorizar essas manifestações quando elas, eventualmente, causassem algum transtorno temporário à locomoção, porque as entenderiam como importantes na vida da cidade, além de ser uma fonte limpa de receitas, por incrementarem o turismo.
Mas existe outro aspecto, além da questão ambiental, que deve ser encarado com preocupação. Por trás dessa investida contra o carnaval de rua carioca e seus blocos, existe a necessidade do capital em transformar em mercadoria qualquer manifestação cultural, como de resto faz com todas as coisas e seres vivos. O carnaval do Rio pode ser dividido em dois: o da Marquês de Sapucaí, com o desfile luxuoso das escolas de samba; e o ressurgente carnaval dos blocos nas ruas do Rio.
O carnaval do Sambódromo, infelizmente, já foi transformado em mercadoria e é vendido para quem pode pagar. Mesmo assim, os cariocas continuam amando suas escolas, e nos ensaios técnicos antes do Carnaval vão para a avenida vibrar com suas escolas de coração. Nos dias de desfile, disputam espaço com alas de turistas, ou empurram os carros alegóricos. É o mesmo tipo de "democracia carnavalesca" que existe hoje na Bahia. Lá como cá, turistas louros ficam na arquibancada, batendo palmas para brancos de classe média desfilar, enquanto negros empurram carros ou esticam cordas.
O carnaval dos blocos, do jeito como está colocado hoje no Rio, não pode, na grande maioria, ser coisificado, transformado em mercadoria e vendido, e é isto que está por trás da investida oficial contra eles. Porque sua criação é ato espontâneo de grupo de amigos ou moradores de um bairro que se reúnem e organizam blocos, que desfilam em trajetos que têm a ver com suas histórias e vivências. São eles que vão encontrando soluções e superando um a um os problemas.
Atualmente, quase não existem mais conflitos nos desfiles de blocos. Bastou reservar um espaço para a que a bateria pudesse tocar à vontade. Da mesma forma, os carrinhos dos ambulantes que vendem bebidas, e que atrapalhavam a evolução, hoje ficam dos lados ou atrás dos blocos. Para isso bastou que os organizadores dos blocos pedissem que os foliões deixassem de comprar de quem estivesse atrapalhando o desfile. Como disse um diretor do Nem Muda nem Sai de Cima este ano, com rara felicidade: "O povo sabe achar suas soluções".
Por isso, não tenho dúvidas de que os dirigentes dos blocos acabarão encontrando a solução para os atuais problemas dos blocos: o trânsito, o seu gigantismo e o que fazer com o xixi. Ao invés de ameaçar com a proibição de desfile (quero ver quem irá lá impedir), basta divulgar com antecedência o horário e o trajeto de todos os blocos, assim como é feito no réveillon, nos grandes shows promovidos inclusive pela Prefeitura, nos jogos no Maracanã, nas procissões, etc.
O aumento do número de pessoas que acompanham determinados blocos tem a ver com o seu sucesso, com a qualidade do samba e com todo o ambiente criado. Quando a mídia descobrir que o carnaval do Rio não se resume mais aos desfiles do Sambódromo, ou a alguns grandes blocos, e começar a divulgar a saída das centenas de pequenos blocos menores e mais próximos dos foliões, essa descentralização resolverá o problema. Ao invés de concentrar os blocos em um lugar, como foi feito em Salvador, e que transformou o carnaval de lá em um negócio cada vez mais estranho, a saída parece estar em fazer o oposto, trazendo o carnaval para cada vez mais perto das pessoas.
No caso do xixi, somente uma prefeitura composta por mauricinhos doentes do pé e ruins da cabeça, que nunca saíram em nenhum bloco ou tomaram cerveja na rua, é que concentraria uns poucos banheiros químicos no início do desfile, quando qualquer um conhece a alta capacidade de consumo de cerveja do carioca, e que ela começa a fazer efeito do meio do desfile para frente. Se coubesse à população decidir o local e a quantidade de banheiros, a solução certamente seria outra.
É com apreensão que vejo estampado nas manchetes que os "garotos da Barra", que assumiram a Prefeitura do Rio, ameaçam mais maldades para o carnaval do ano que vem. Fico mais preocupado quando vejo alguns dirigentes de blocos começarem a embarcar nesta cantilena conservadora e excludente. Os blocos de rua são, assim como os camelôs, flanelinhas, motoristas de vans e demais trabalhadores informais, símbolos da resistência contra a cidade neoliberal. Não tenho dúvidas de que alguns mega-blocos aceitarão de bom grado serem domesticados pela Prefeitura. Afinal, isso será bom para os seus negócios. Mas para a grande maioria, negar e resistir a mais essa tentativa de coisificação de uma manifestação popular é a única possibilidade de continuar existindo. E a existência dos blocos de rua é vital para o carnaval do Rio.
Contra a soteropolinização do carnaval carioca!
Não põe corda nem dá choque no meu bloco!
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