10 de dezembro de 2010

A minha, a sua, a nossa responsabilidade

Sou do tempo em que consciência ecológica era não pisar na grama. Da época em que celebrar a natureza era queimar uma “erva do norte” e curtir o “flower power”. Definitivamente, eu era feliz e não sabia!

Hoje vivemos em tempos muito mais bicudos. Ar, águas e solos poluídos. Mais de 1 bilhão de pessoas sem acesso regular à agua e comida. Uma crise social que invisibiliza um continente inteiro, a África, e que, mesmo nos países mais ricos, expõe a incapacidade do modelo de civilização dominante em acabar com a desigualdade. Como pano de fundo, temos uma ameaça cada vez mais concreta e presente para o futuro da humanidade: as mudanças climáticas provocadas pela intensificação do aquecimento global.

Bombardeados diariamente por uma barragem de informações, por vezes contraditórias, divulgadas aos borbotões pela grande mídia, nossa consciência ecológica cresceu, mesmo que de forma frequentemente confusa. Choramos pelos ursos polares (nada contra eles), mas esquecemos rapidamente o destino dos desabrigados dos extremos climáticos, como no caso dos refugiados ambientais do Morro do Bumba, em Niterói, que, de abril para cá, ainda continuam desabrigados.

Esta mesma grande mídia, cujo objetivo é exatamente confundir mais do que explicar, divulga propaganda das mais diferentes empresas, dando conta que, de ora em diante, todas têm “responsabilidade ambiental”, justamente as mais devastadoras da natureza, por conta de suas atividades.

Por outro lado, diariamente somos chamados também a assumir nossa responsabilidade ambiental. Banho, só até 7 minutos e fazendo xixi junto. Poupe energia, poupe água, poupe tudo pelo futuro dos nossos filhos! E, suprema ignomínia, reduza o consumo de carne bovina para reduzir a emissão de metano, e esqueça a sua cerveja, já que são necessários 155l de água para cada litro de cerveja. Ou seja, churrasco e consciência ecológica definitivamente não combinam!

Mas, ao mesmo tempo, esta mesma mídia ocupa grande parte de seu espaço fazendo propaganda exatamente daquilo que “exige” que você abra mão. Compre, consuma, troque pelo último modelo, se endivide, quebre, mas mantenha o mercado funcionando!

Não estou fazendo a apologia do “foda-se ambiental”, ou da inércia, dada a incapacidade de resolvermos individualmente a tragédia ambiental que bate cada vez mais forte nas nossas portas. Uma parte da minha, da sua, da nossa responsabilidade é exatamente a de mudarmos nossos hábitos de forma ecológica e racional. Mas, isto é apenas uma parte.

Estamos inseridos em um sistema que corre voraz e continuamente para manter e ampliar seus lucros. Para isso, a humanidade é compelida a consumir o que não precisa. Pelo menos a humanidade que pode ter acesso ao mercado, enquanto milhões são deixados à sua margem.

Para manter ativa e operante esta máquina, o modelo econômico capitalista atribui preço a tudo, explora cada vez mais o trabalho alheio e exaure os recursos naturais do planeta, já que a velocidade do lucro não guarda nenhuma relação com a capacidade de renovação destes recursos. Essa máquina é movida a combustíveis fósseis que despejam na atmosfera giga toneladas de gases formadores do efeito estufa.

Essa gastança temerária e insensata é de tal monta que, hoje, este sistema necessita de uma Terra e quse mais um hemisfério para dar conta de suas necessidades. É um sistema esbanjador de recursos, negligente com os efeitos do que e como produz sobre o ambiente e irresponsável com os problemas socioambientais que gera.

Por ser largamente hegemônico no mundo, ele é, sem sombra de dúvida, o responsável pelos perigos que a vida no planeta enfrenta hoje. Seu modelo de civilização, que nos trouxe até aqui, está acima e além da capacidade do planeta. Qualquer solução real tem que passar por esta avaliação e pela necessidade de o superarmos, substituindo-o por um modelo alternativo, que resolva os eternos problemas de desigualdade social, sem perder de vista os limites da natureza.

Mais do que nunca, apesar do que se diga por oposto, a consciência social e política está imbricada com a consciência ecológica. Achar que é possível “domesticar” a voracidade do capitalismo, é atrasar as mudanças necessárias. É vital que se entenda que não temos mais tempo sobrando! E é nesse sentido que escolher exclusivamente essa ou aquela responsabilidade faz toda a diferença.

Nossa responsabilidade como habitantes do planeta, como parte da única espécie que pode acabar com ela mesma e com a maioria das outras, mas principalmente como cidadãos e cidadãs, é nos organizarmos coletivamente, e exigirmos a mudança do sisterma que nos trouxe à beira do abismo, antes de darmos um passo à frente. Pressionarmos os governos, para que resolvam a encrenca que criaram, ou nós os derrubaremos.

Nesse sentido, nós, brasileiros, somos especialmente responsáveis. Somos nós, ou pelo menos 80 e muitos porcento de nós que aprovamos o governo que, nunca na história desse país, foi tão responsável com a degradação aqmbiental. Somos nós que naturalizamos tanto a devastação na Amazônia, que “comemoramos” quando “somente” 6.400km2 são desmatados.

Somos nós que apoiamos a escolha da exploração do pré-sal como indutor do desenvolvimento brasileiro nas próximas décadsa, mesmo que esse “desenvolvimento” se dê às custas das catástrofes climáticas e ambientais. Somos nós que apoaimos a criminalização da pobreza, via o extermínio de populações negras e pobres, e viramos o rosto para as condições de precariedade socioambiental em que vivem estas pessoas.

A crise desta civilização que temos, tem contornos multifacetados, com implicações econômicas, financeiras, alimentares, sociais e ecológicas. Superá-la exige uma solução de conjunto. Não estabilizaremos a temperatura média global neste sistema econômico, não porque ele seja mau, mas porque sua lógica imediatista, de reprodução de lucros a qualquer preço é incompatível com isso. Não se trata, assim, de uma questão moral.

Nesse momento, ao mesmo tempo em que foi confiada à delegação brasileira a missão de salvar o agonizante Protocolo de Kioto, aquele que como uma célebre viúva, “foi sem nunca ter sido”, nesse mesmo momento, o líder do PT na Câmara negocia a presidência dessa Casa, dando em troca o regime de urgência na votação das modificações no Código Florestal, que abre a possibilidade para mais devastação ambiental. Estas modificações foram aprovadas em uma comissão especial, cujo relator, do PCdoB, também faz parte da base do governo.

Além das mudanças voluntárias em hábitos que foram estimulados pelo modelo econômico, político e ideológico onde estamos inseridos, temos outra responsabilidade. A minha, a sua, a nossa responsabilidade é a de dar um basta a esta escalada de destruição planetária. Para isto existem lutas a serem travadas, local e globalmente. Lutas que denunciem os limites e responsabilidades do capitalismo. Lutas que apontem para a necessária construção de uma nova sociedade, baseada na justiça e na igualdade social, baseada no que existe de melhor na tradição socialista, combinadas com a preocupação ambiental. Uma sociedade ecossocialista.

por Paulo Piramba, 56, membro da Rede Ecossocialista Internacional

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