10 de dezembro de 2009

Photoshop climático

Teorias da conspiração existem faz tempo. Basta navegar no Google e nos deparamos com elas: o homem não alunissou na Lua; Elvis e Jim Morrison não morreram e Paul McCartney está morto; Kennedy foi vítima de um complô que reuniu CIA, o serviço secreto de Cuba e a Máfia; Bush e Bin Laden são cúmplices no 11 de setembro; o Flamengo só foi hexacampeão devido à conspiração que envolveu CBF, Rede Globo, Microsoft, CIA, Corinthians e Grêmio.

Todas as teorias estão amparadas na crença da existência de um plano secreto operado maquiavelicamente por organizações poderosas, acima do nosso controle, ou do nosso vão entendimento.

Algumas delas apresentam argumentos tão débeis que não resistem ao primeiro olhar. A alegada farsa do pouso do módulo lunar Eagle no deserto de Nevada, ao invés do Mar da Tranqüilidade, para ser levada a sério, teria que abstrair a Guerra Fria. Por que os russos deixariam passar esta farsa? Outras são sustentadas por depoimentos de especialistas, cientistas e matemáticos, como aqueles que negavam a possibilidade do Flamengo ser campeão, e do Fluminense escapar do rebaixamento.

A teoria da vez é do "Climagate". Ela surgiu às vésperas da COP-15, 15ª Conferência das Partes da Convenção de Mudanças Climáticas da ONU, que já está sendo realizada em Copenhague, e onde o planeta espera que se acorde um tratado que substitua as insuficiências daquele produzido em Kyoto, no sentido de redução da emissão dos gases do efeito estufa.

Milhares de e-mails supostamente trocados entre os cientistas do IPCC vazaram, revelando um "complô" desta comunidade científica no sentido de supervalorizar a responsabilidade da ação humana no aumento da temperatura da Terra – aumento de temperatura também questionado – e nas decorrentes mudanças climáticas. Não adiantou que estes cientistas denunciassem que suas mensagens tinham sido editadas, colocadas fora do contexto e manipuladas. A teoria estava lançada e colocada em curso.

Imediatamente se deu publicidade a alguns cientistas que vem questionando a associação da ação humana, mais concretamente a ação do modo de produção capitalista, com algum aumento de temperatura no planeta. Para estes, ainda não existe como comprovar cientificamente esta relação, ou pior, não existem indícios de que a temperatura da Terra esteja se elevando.

A quem interessaria, então, esta farsa que envolve milhares de cientistas, entre eles alguns dos mais reconhecidos nas suas áreas de atuação, supostamente mancomunados com a ONU, União Européia, G-77, ong's, ambientalistas, partidos de esquerda, de centro e de direita?

A resposta varia de acordo com o freguês. Para os defensores desta teoria que se alinham à direita, isto não passa de uma orquestração de cientistas "liberais e esquerdistas", no sentido de culpabilizar o capitalismo, o mercado e a livre iniciativa, sob os auspícios da ONU, transformada na ótica destas pessoas, em uma espécie de "V Internacional do Clima".

Para quem abraça esta teoria, a partir de uma lógica pretensamente de esquerda, essa mobilização toda é mais uma maquinação do capital em crise, buscando novos mercados e novas oportunidades de lucro. Todo o incômodo dos governos dos países ricos, toda a resistência dos BRIC's em estabelecerem metas reais de redução de emissão de CO2eq, seria, na verdade, um jogo de cena para encobrir uma nova etapa de acumulação capitalista.

Mesmo que os interesses pareçam ser antagônicos, sua combinação parece indicar a chave para este mistério. A ação do modo de produção capitalista tem feito com que a emissão de CO2eq venha aumentando de forma consistente. Em 1970, foram lançadas na atmosfera 28,7 gigatoneladas, contra 49 gigatoneladas em 2004. A temperatura média global vem subindo nestes últimos 25 anos a uma taxa de 0,19ºC por década, mesmo com o arrefecimento da temperatura, por conta da diminuição da atividade solar, nos últimos 10 anos. Além disso, fenômenos como o degelo da calota polar no verão, detonam um efeito cascata de aumento da temperatura, por conta do menor reflexo dos raios solares, e o decorrente aquecimento das águas dos mares. Desta forma o capital merece ser responsabilizado sim, e este calcanhar de Aquiles deve ser explorado pelos partidos de esquerda e movimento anti-capitalista.

Por outro lado, faz parte da natureza do capital, assim como dos escorpiões, ser incapaz de fugir do seu destino, mesmo que ele signifique sua própria destruição. O Protocolo de Kyoto fracassou porque, ao invés de se buscar definir, em 1990, metas que significassem redução real das emissões, e que nos teriam livrado da urgência e da iminência da catástrofe, o capital preferiu criar um derivativo novo, baseado na compra e venda do direito de emitir CO2eq. Como sempre, dinheiro trocou de mãos, e o problema persistiu. Então, mesmo agora, com a crise molhando os nossos pés, Copenhague fracassará, porque é da natureza do capital priorizar lucros sobre a vida.

Tal como o argumento de armação do hexa do Flamengo soçobrou no empenho do Grêmio no jogo final, a teoria do Climagate não resiste à realidade. Uma fraude deste tipo teria que contar com tecnologia que pudesse derreter geleiras, antecipar estações, acelerar o aumento do nível dos mares, produzir extremos climáticos mais intensos e freqüentes, como os que vêm acontecendo nas Regiões Sul e Sudeste, por exemplo. Tudo isso acontecendo ao mesmo tempo, é uma evidência de um aquecimento a longo prazo.

Mais do que isso, os indicadores têm mostrado que a velocidade de alguns destes fenômenos tem ultrapassado as previsões. E que a combinação deles indica a antecipação dos cenários mais sombrios, com a temperatura média global podendo chegar a +3ºC ou mais ao final do século. Mesmo que, por hipótese cada vez mais remota, pudéssemos estabilizá-la em +2ºC (levando-se em consideração a temperatura do início da Revolução Industrial), mesmo assim a previsão é a de que teremos mais de 250 milhões de refugiados ambientais, a grande maioria proveniente dos países e regiões mais pobres do planeta.

A Conferência de Copenhague ora em curso já tem dado sinais concretos de fracasso. As metas propostas pelos países ricos e BRIC's são jogos numéricos lançados mais para confundir do que para solucionar as questões. Os compromissos voluntários anunciados pelos países indicam um aumento das emissões globais, até que, em 2040, elas sejam o dobro do que são hoje. Esta tendência faria com que a temperatura média global chegasse, ao final do século, a +3°C.

Além disso, apesar de Obama se apresentar como o "eco-presidente" do novo "capitalismo verde", as metas anunciadas pelos EUA são insuficientes, além de que o governo norte-americano (assim como o brasileiro e o chinês) é terminantemente contra estabelecer metas que possam ser questionadas em tribunais mundiais. Um outro documento vazado, e que, portanto, deve ser encarado com cautela, anuncia um plano construído em conjunto pelos governos dinamarquês, norte-americano e inglês, que retira da ONU o controle sobre o cumprimento das metas voluntárias, colocando-o sob a supervisão do Banco Mundial!

É neste contexto de enfraquecimento da ONU, que, diga-se de passagem, não é nenhuma maravilha, mas que ainda detém um verniz um pouco mais democrático que o Banco Mundial, por exemplo, que surge o Climagate. A quem interessa, desta forma, enfraquecer e desmoralizar o IPCC, órgão da ONU? Talvez aos mesmos que não conseguirão sucesso em Copenhague. Se não é possível ao capital encontrar saídas em Copenhague, que se desmoralize então o problema.

Mesmo antes do advento do Photoshop, a burocracia soviética foi capaz de apagar da história e das fotografias, aqueles que condenava á morte e ao esquecimento. Michael Lowy, em "Ecossocialismo e Planejamento Democrático" conta que nos primeiros anos da União Soviética "desenvolveu-se uma corrente ecologista e foram tomadas pelas autoridades soviéticas algumas medidas limitadas de proteção ambiental. Mas com o processo stalinista de burocratização, os métodos produtivistas na indústria e na agricultura impuseram-se por meios totalitários, enquanto os ecologistas foram marginalizados ou eliminados". Provavelmente, este "photoshop stalinista" fez com que o divórcio entre a esquerda e a ecologia durasse tanto tempo, com sérios prejuízos. Aqui no Brasil, a tradição dos PCs foi fortemente baseada no positivismo expressado na idéia do progresso, e no produtivismo.

A defesa do livre "desenvolvimento ilimitado das forças produtivas" não resiste à grave crise ambiental. A matriz fóssil, seja o carvão ou o petróleo, é vetor, não mais do progresso e da realização plena do ser humano, mas da sua destruição. A contradição capital X trabalho permanece, mas se manifesta neste começo de século com uma nova cara. Ignorar ou apagar esta cara, ao invés de nos colocar sob o manto protetor de verdades já conhecidas, só faz aumentar nossa incapacidade de entender o mundo e, desta forma, poder transformá-lo.

25 de novembro de 2009

Se eu fosse conversar com Marina

Está no site do PSOL que "a executiva nacional do PSOL por intermédio de uma comissão de seus dirigentes e parlamentares realizará uma agenda de debates com setores da sociedade civil, dos movimentos sociais a exemplo do MST e entidades sindicais e populares, partidos políticos que compuseram o arco de alianças da nossa candidatura em 2006 (PSTU e PCB), com os nomes apresentados no interior do partido e com a pré-candidatura da Senadora Marina Silva".

O debate com Marina, em especial, tem dado o que falar (escrever e discutir), dentro e fora do partido. Filiados e não-filiados ao PSOL dividiram-se em 2 lados, como em um campo de futebol, apaixonadamente defendendo seus pontos de vista e até vaiando seus adversários, com grande predominância daqueles que são contra a aliança com ela, sequer admitindo o debate. Nesta partida de futebol, existe quem manteve suas posições desde o primeiro tempo, mas também os que trocaram de lado nas arquibancadas, aos 40 minutos do segundo tempo.

Sempre defendi este debate com Marina, nos termos que coloquei no post anterior "Boas intenções apenas não bastam". Mas não defendo uma aliança com ela a qualquer preço. O debate que imagino não é pessoal, nem religioso; é essencialmente político e programático, e, evidentemente, fraterno.

Se – por absurdo, já que não sou membro da Executiva do PSOL – fizesse parte dessa comissão, como ecossocialista que procuro ser, defenderia, não somente para o diálogo com ela, mas em todos os debates anunciados, uma série de pontos que dizem respeito à agenda que gostaria que o PSOL apresentasse nas eleições do próximo ano, e para além delas, assumindo-os como bandeiras de luta. Se me permitem, vamos a eles, com sucintas explicações sobre cada um:

  1. Um modelo de desenvolvimento baseado na justiça social e ambiental, centrado na garantia do bem-viver para todos e todas e no acesso aos bens fundamentais universais tais como água, comida, saúde, educação, habitação, direito à terra, ao conhecimento, etc., com respeito à biodiversidade biológica e social e aos ciclos naturais do planeta, em contraposição ao modelo atual baseado na exploração de pessoas e recursos, submetidos às lógicas do mercado e do consumo. Nesta eleição, a discussão sobre modelos de desenvolvimento vai estar colocada. Cabe apresentar uma alternativa tanto ao desenvolvimentismo devastador de Dilma e Serra, como ao desenvolvimento sustentável de Marina, que não chega à raiz do problema.
  2. Auditoria dos passivos ambientais e à saúde do trabalhador, principalmente das grandes empresas que exportam os lucros e deixam os prejuízos, ao introduzirem indústrias e técnicas poluentes para nosso país, e pressionarem o governo brasileiro a flexibilizar o cuidado com o ambiente. Não é somente o governo Lula o responsável pela degradação ambiental, mas o modo de produção capitalista.
  3. Auditar, em especial, a Dívida Ecológica da Petrobras a partir dos inúmeros passivos ambientais que a produção de petróleo e derivados tem provocado no Brasil e na América Latina, resgatando-a com a utilização de parte da receita da empresa na pesquisa e desenvolvimento de matrizes energéticas limpas. O pré-sal e a Petrobras são o eixo da continuidade do modelo de desenvolvimento fossilizado. É contraditório esperar que as receitas do pré-sal financiem estas pesquisas. Algo como puxar os próprios cabelos para sair do lamaçal onde nos enfiamos. Além disso, através da Petrobras, o Brasil tem assumido um papel sub-imperialista na região.
  4. Engajamento pleno do país no esforço de redução da emissão dos gases formadores do efeito estufa, seja na preservação da Amazônia, como na substituição das tecnologias poluidoras das indústrias, estabelecendo metas de redução próprias, e pressionando, nos organismos multilaterais, por metas planetárias que estabilizem a temperatura média global dentro do limite dos +2°C. Copenhagen promete ser um fracasso ainda maior do que foi Kyoto, como "solução" capitalista para a crise das mudanças climáticas. Fora os países pobres do Sul, nenhum país desenvolvido ou integrante dos BRIC's (Brasil entre eles) quer se comprometer concretamente com metas de redução, preferindo falar em "compromissos políticos" que os ventos dos extremos climáticos podem levar.
  5. Redirecionar a produção de veículos automotivos, privilegiando a fabricação de veículos coletivos sobre a de carros individuais. Aumento na taxação sobre a fabricação e venda de veículos poluentes e/ou consumidores de combustíveis fósseis e isenção tributária para os que utilizam fontes mais limpas e renováveis. Recuperar a extensa malha ferroviária brasileira, privatizada e decadente, para o transporte de mercadorias e pessoas. Retirar o carro individual das ruas, antes que ele nos tire do planeta.
  6. Mobilização dos recursos e esforços do Estado para alcançarmos o Desmatamento Zero na Amazônia, com rediscussão sobre as atividades produtivas na Região, somente liberando novos projetos agropecuários em áreas já desmatadas, com recuperação das áreas degradadas e replantio da floresta nativa em parte da área, garantindo-se a recuperação das áreas de reserva legal e de preservação permanente degradadas. O governo Lula comemorou a queda do desmatamento na Amazônia, e o ministro Minc teve a cara-de-pau de atribuir esta queda à Dilma. É justo comemorar, mas é correto entender que esta queda tem muito mais a ver com a crise econômica que provocou retração no agronegócio, do que à ação da "Mãe do PAC", com suas hidrelétricas construídas no coração da floresta.
  7. Reforma agrária ecológica, com o direcionamento de recursos para a agricultura familiar ou cooperativada, visando à produção de alimentos, em substituição ao atual incentivo ao agronegócio concentrador de terra e renda. Quem pode garantir a soberania alimentar do país, e o fim da violência do campo, é a reforma agrária, seguindo padrões ecológicos.
  8. Revisão do Plano Decenal de Energia, com o cancelamento da construção de novas usinas nucleares, conversão das atuais para usinas a gás natural, e moratória na construção das mais de 80 termelétricas previstas no Plano. Quando a preocupação mundial é a descarbonização da produção de energia, o Brasil pretende atrelar a sua produção a termelétricas alimentadas a carvão, além de construir usinas nucleares no Nordeste, logo em uma região tão eólica e solar.
  9. Rediscussão da atual Lei das Florestas, substituindo-a por outra que garanta a concessão para exploração sustentável, por parte de cooperativas de para ribeirinhos, extrativistas, quilombolas e pequenos produtores, assim como impeça a abertura para o capital nacional e multinacional, por prazo muito extenso e pouca garantia de fiscalização pelo governo, dado o déficit de fiscais na área ambiental. A privatização das florestas, assim como o desmanche da legislação ambiental, são ferramentas utilizadas pelos ruralistas, muito mais afiadas do que as moto-serras.
  10. Reestatização do Setor Elétrico, com financiamentos visando acabar com desperdícios na transmissão, distribuição e consumo de energia. Fim dos subsídios aos grandes consumidores, ampliando o alcance da tarifa social de energia. Essa é uma demanda antiga, anterior aos apagões da Dilma. Somente a otimização estes processos, produziria um ganho de 30%. A energia elétrica para o pequeno consumidor é uma das mais caras do mundo, subsidiando o gasto das indústrias. Maravilhas da privatização.
  11. Rediscutir as obras e metas do PAC, redirecionando-as para o saneamento básico, e obras de infra-estrutura para a reforma agrária e urbana, habitação e meio ambiente, além de ações no sentido de adaptar e minorar os efeitos das mudanças climáticas nos aglomerados urbanos e no campo. As metas do PAC foram construídas em torno do atendimento dos interesses dos setores exportadores, para consolidar o papel do Brasil como grande exportador de recursos e produtos com pouco valor agregado. Os lucros das empresas por conta dessas obras de infra-estrutura serão mínimos frente às despesas públicas no atendimento das tragédias provocadas pelos extremos climáticos.
  12. Recolocar a discussão ampla sobre a transposição do rio São Francisco, culminando em um plebiscito nacional, iniciando imediatamente a revitalização do rio, reconstituindo a mata ciliar e impedindo o lançamento de efluentes de origem industrial, e agrotóxicos. Combater a desertificação e mitigar os efeitos da seca na região do semi-árido, com a construção de 1 milhão de cisternas de placa e a adoção de práticas sustentáveis já experimentadas e bem sucedidas pelas comunidades da região. Enquanto as obras avançam, e as empreiteiras e o agronegócio sorriem, o Velho Chico nunca esteve tão combalido. Assoreamento provocado pela devastação da mata ciliar, poluição provocada por agrotóxicos, pesca comprometida, vidas em jogo.
  13. Pré-sal - baseado na posse soberana deste recurso natural (ainda) estratégico, e na sua utilização dentro de uma perspectiva sustentável, o que significa não utilizá-lo como base de mais um ciclo de desenvolvimento ancorado em matriz fóssil. Ao contrário, utilizar parte da receita para a transição dessa matriz baseada em carbono para um "mix" de matrizes renováveis e mais limpas. Para isso, é fundamental uma Petrobras não somente reestatizada, mas principalmente pública, isto é, migrar do controle e do atendimento dos interesses dos acionistas, para o controle e atendimento dos interesses dos trabalhadores e da maioria do povo brasileiro. Complementa o ponto 3. Lá está a fonte dos recursos para a pesquisa de novas matrizes. Aqui, o dinheiro para a transição. O controle da "torneira", mais do que estatal, é público, de acordo com os interesses da maioria da população.

23 de novembro de 2009

Boas intenções somente não bastam

Uma tragédia anunciada

A provável candidatura da companheira Marina Silva à Presidência da República, deflagrada a partir do anúncio – em meados de agosto deste ano – de sua saída do PT, só ajudou a confirmar o que boa parte do movimento ambientalista já acreditava: a incorporação definitiva das questões ambientais na agenda política e eleitoral de 2010.

Esta mistura de convicção e torcida era fundamentada pelo agravamento da crise ambiental provocada pelas mudanças climáticas, fruto do aumento da concentração de CO2 equivalente na atmosfera, em níveis muito superiores à capacidade do planeta em absorvê-lo.

O decorrente aumento da temperatura média global já tem provocado – mesmo com a reticência e resistência de uma minoria de cientistas – o desencadeamento de fenômenos e extremos climáticos, que começam a penalizar as populações, em especial aquelas mais precarizadas. A última má notícia é que, ao invés desta ameaça corresponder a algum esforço mundial no sentido de redução das emissões, na verdade, entre 1990 e 2008 houve um aumento de quase 41% nas emissões de CO2, provenientes da queima de combustíveis fósseis. A partir desse aumento, os modelos computacionais apontam para os piores cenários previstos pelo IPCC, onde a temperatura global aumentará, ao final deste século, entre 5ºC e 6ºC.

Se considerarmos que os patamares de 1990 correspondem aos níveis que o Protocolo de Kyoto se propunha a reduzir, fica fácil entender a incapacidade do capitalismo em resolver os problemas que cria. E os prognósticos para a Conferência do Clima em Copenhagen, a ser realizada em dezembro, apontam para o fracasso em se conseguir um acordo que signifique algum avanço. Na verdade, é quase seguro que Copenhagen seja um retrocesso em relação, inclusive, à debilidade das soluções de Kyoto, já que EUA, China, Brasil e outros grandes emissores relutam em assumir metas concretas de redução, preferindo apresentar "compromissos políticos".

A este quadro se somam a degradação de todos os indicadores ambientais no Brasil, patrocinada pelo governo Lula, mais a investida dos ruralistas e conservadores ao que ainda resta de legislação ambiental, além do anunciado modelo de desenvolvimento fóssil, baseado na exploração do petróleo do pré-sal.

Uma oportunidade perdida

Quando, mesmo antes do anúncio de sua saída do PT, ficou claro que Marina ensaiava este movimento, companheir@s ecossocialistas começamos a defender que o PSOL a procurasse. Não entendíamos a insistência da maioria da direção do partido em tentar atrair o delegado Protógenes, enquanto que Marina e seu grupo anunciavam a quem quisesse ouvir sua ruptura com o governo, a partir de duras críticas ao seu descalabro ambiental.

Além disso, considerávamos – e ainda consideramos, mesmo depois de várias declarações equivocadas e infelizes da companheira, além de sua opção pelo PV – que este movimento tinha um caráter positivo, por apontar talvez o mais visível calcanhar de Aquiles do governo Lula, isto é, sua (des)política ambiental.

Mas naquele momento, quando a decisão da companheira Heloísa Helena de não disputar a Presidência da República ainda não tinha sido anunciada, certamente não havia interesse em atrair para o PSOL uma outra companheira com visibilidade pública semelhante. Com a proximidade do Congresso do PSOL, a discussão com Marina foi sendo congelada, e com isso se perdeu a melhor, ou, talvez, a única oportunidade real de atraí-la politicamente para o projeto do PSOL. É possível dizer, então, que se Marina fez uma opção errada ao integrar-se junto com seu grupo ao PV, também o PSOL, enquanto abria generosos guarda-sóis para Protógenes, sequer abriu uma sombrinha para Marina, longe de cumprir seu papel de guarda-chuva da esquerda e dos combatentes sociais.

Não deveria ser motivo de espanto, dessa forma, que as limitações do modelo de desenvolvimento "sustentável" de Marina, que nunca deixamos de apontar, fossem amplificadas, em tal má companhia como o PV e os "eco-empresários" que dela se aproximaram demonstraram ser. Além disso, na medida em que, entre seu grupo de apoio, que a acompanhou para o PV, os que se assumem como ecossocialistas aparentemente são muito minoritários, não existe, pelo menos a curto prazo, nenhuma indicação de que a "refundação do PV", com afastamento dos setores fisiológicos, realmente ocorra.

A formatação do diálogo

Mesmo assim, nós que defendíamos procurar Marina, insistimos na proposta, não porque considerássemos possível qualquer reversão desse quadro, mas porque achamos importante que o PSOL se aproxime de quem está preocupado com o futuro da humanidade e considera importantes as questões ambientais. E, certamente, parte significativa dessas pessoas comporá a sua possível base de apoio, além de inúmeros militantes socioambientais.

Apesar de Marina não ser, e nem nunca ter se reivindicado, ecossocialista, sua história é repleta de episódios onde demonstrou ter uma preocupação ambiental, casada com outra social. Sua passagem pelo governo Lula, porém, foi contraditória. Se, na liberação da soja transgênica, ela comprou uma polêmica pública com Lula, partiu de seu ministério a Lei de Gestão das Florestas, que abriu as portas para a exploração privada da madeira e da biodiversidade. Se ela entrou em choque com o governo, sendo contrária a aprovação da Lei de Biossegurança, teve total identidade com ele na transposição das águas do Rio São Francisco. Bateu de frente com Dilma na discussão sobre os "entraves" do licenciamento ambiental, mas foi na sua gestão no MMA que houve a reformulação do IBAMA.

De qualquer forma, apesar dessas contradições, Marina construiu-se, nacional e internacionalmente, como vítima da política ambientalmente predatória do governo. Dialogar e atrair estes segmentos, mostrando os limites da sua visão em combater a tragédia ambiental provocada pelo capitalismo, sem, contudo, combatê-lo, vai além da mera afirmação da teoria ecossocialista, principalmente para quem começa a ter uma preocupação "eco", e não sabe, ou esqueceu, o significado do que é ser socialista.

Por isso é que a conversa com Marina, do nosso ponto de vista, deveria ser o mais politizada e politizadora possível, construída sobre um punhado de questões programáticas importantes para o PSOL, tais como a política econômica, a dívida pública, a reforma agrária, a criminalização da pobreza e dos movimentos sociais, entre outras.

Mas não só essas questões "tradicionais" da esquerda. Para nós, o partido também deveria levar para a conversa sua visão sobre o meio ambiente, a partir do acúmulo – ainda débil, mas consistente – da discussão ecossocialista no interior do partido. Culpabilizar o modo de acumulação capitalista pelos trágicos problemas ambientais que enfrentamos, assim como a fome, questionando ainda o modelo "sustentável" defendido por ela.

Apresentar nossa visão sobre o desmatamento da Amazônia, a mudança da matriz energética, a necessidade de uma reforma agrária ecológica, uma auditoria dos passivos ambientais provocadas pelas indústrias, a reestatização do setor elétrico, e tantos outros pontos sobre os quais @s ecossocialistas do PSOL têm acúmulo. Deixar de apresentar estas questões, significaria dizer que ao PSOL cabe propor as questões da "grande política", endossando assim a política ambiental limitada de Marina, e o "ecocapitalismo" do PV.

Para isso, contudo, era necessário que a conversa tivesse se dado logo em agosto, mas, principalmente, que nossa principal figura pública, cuja representatividade também é patrimônio do partido e de seus e suas militantes, a usasse como ferramenta de deslocamento de Marina o mais a esquerda possível. O que se viu, infelizmente foi coisa bem diferente. Não só ela, como outr@s dirigentes e figuras públicas do PSOL, vêm dando declarações que sinalizam um apoio incondicional à Marina, ou somente levando em conta questões eleitorais. Isso, sem que o partido ainda tenha decidido coletivamente sua posição.

Candidatura própria: a única alternativa

Com tantos sinais trocados, e com o debate partidário sendo feito na grande imprensa, o que fragiliza ainda mais a democracia interna, valorizando a visibilidade pública de alguns, em detrimento da "invisibilidade coletiva" da maioria d@s militantes do PSOL, é necessário, mais do que nunca, desfazer a confusão que reina entre a base militante do partido.

Isso significa dizer que:

  1. O caráter positivo da movimentação de Marina se mantém, do ponto de vista do questionamento do desastre ecológico que é o governo Lula, e da urgência colocada pela crise provocada pelas mudanças climáticas;
  2. Este caráter positivo aponta como tarefa para o PSOL continuar, durante e após as eleições, um diálogo com Marina e seu grupo, e, principalmente, com as bases apoiadoras de sua candidatura
  3. Apesar de existirem alguns indícios de que possa vir a existir uma "refundação do PV", isto hoje não altera o caráter fisiológico desse partido, que se alinha com o que existe de pior no cenário político brasileiro;
  4. A insistência de Marina em não questionar as políticas econômicas de FHC e Lula é contraditória com sua intenção de apresentar uma alternativa de desenvolvimento realmente sustentável social e ecologicamente;
  5. Neste sentido, a menos que haja alguma mudança fundamental, o que não parece ser o mais provável, a oportunidade de um contato formal do PSOL com ela se mantém, no sentido de esclarecer e concretizar, de forma clara, convergências e divergências.
  6. No entanto, tal diálogo só faz sentido se for construído a partir da colocação na pauta de pontos programáticos, inclusive os ambientais, que norteiam o caráter anticapitalista do PSOL;
  7. Cabe à direção do PSOL, a partir de agora, tornar transparente este processo, combatendo a guerra de versões e interpretações sobre ele;

Na provável inviabilidade de uma aliança entre o PSOL e Marina, a única alternativa possível é a de uma candidatura própria do PSOL. Construirmos, dentro do partido, um amplo e democrático debate sobre qual companheiro ou companheira do PSOL será mais indicado para disputar a Presidência da República, a partir da existência da pré-candidatura do companheiro Plínio, já apresentada ao partido, e de outras que se coloquem até a Conferência Eleitoral do PSOL, que será realizada ano que vem.

Uma candiatura que defenda um programa que dialogue com a realidade da ampla maioria da população brasileira, e onde as questões ambientais tenham protagonismo, sob o ponto de vista ecossocialista.

27 de maio de 2009

Réquiem para a Mata Atlântica

Outro dia, em um debate, uma pessoa me perguntou se "esse negócio de mudanças climáticas não era um plano de cientistas de esquerda para desestabilizar o Bush". Respondi que os moradores de Santa Catarina provavelmente não tinham mais dúvidas sobre isso, depois do furacão e das chuvas e deslizamentos do ano passado. Ainda não haviam começado as chuvas no Norte/Nordeste, nem a seca no Sul/Centro-Oeste.

Lembrei-me disso porque, de vez em quando, as pessoas vêm comentar comigo que a questão do Desmatamento Zero na Amazônia é importante, mas... é muito longe e as pessoas não tem como se mobilizarem por algo tão distante.

Pois bem, aí estão os números da Mata Atlântica que é o nosso quintal, inclusive com o prazo para sua extinção: 40 anos. Os efeitos do desmatamento estão presentes e visíveis para qualquer um que pegue a estrada em uma viagem de fim de semana, daquelas que nós, pessoas da cidade, fazemos para "ver o verde". A menos que nos conformemos em olhar para o capim, vai ficar cada vez mais difícil!

Mesmo assim, assistimos placidamente a extinção do bioma Mata Atlântica, com toda sua maravilhosa biodiversidade, assim como "naturalizamos" as consequências das mudanças climáticas, as condições mais insalubres de vida nas cidades, ou a destruição da Amazônia. Mesmo que, conscientemente, nos indignemos e nos preocupemos, não conseguimos transformar estes sentimentos em uma ação prática. Alguns, nem tentam.

Durante o FSM, em outro debate realizado em uma tenda montada em frente a um fragmento de mata, um dirigente do PSOL de Pernambuco perguntou - depois de eu ter explicado os efeitos que as mudanças climáticas poderiam provocar no Brasil e a importância de preservar a floresta amazônica - como transformar essa questão em uma campanha de massas, já que era difícil mobilizar as pessoas sobre esses temas.

Confesso que minha primeira vontade foi de associar o desmatamento da Amazônia a um escândalo de corrupção qualquer, para ver se animava o companheiro, mas engoli a "gracinha" e disse:

- É só ter vontade política.

21 de maio de 2009

A ficha não caiu

Parece que a Conlutas resolveu adotar a mesma tática da maioria da direção do PSOL, de denúncia da corrupção. Isso fica claro quando lemos a nota disponível em http://www.conlutas.org.br/exibedocs.asp?tipodoc=noticia&id=3086. É evidente que existe, por trás do afã investigativo da direita, uma tentativa de colocar a questão da privatização da Petrobras. Evidente, também, que o governo Lula e o PT aparelharam a Petrobras, como "nunca antes nesse país". Mas restringir a luta e o discurso apenas à corrupção e a reestatização é muito pouco.

Primeiro, a questão da reestatização, com "controle dos trabalhadores". Este apêndice geralmente é colocado como um "item de segurança", quando não se sabe ao certo como explicar o que precisa ser mudado. Pelo o que eu tenho visto na Campanha o Petróleo Tem Que Ser Nosso, uma gestão dos trabalhadores não alteraria muito a operação da Petrobras.

Dos governistas da CUT aos ultra-anarquistas - com honrosas exceções, como a FOE, a Intersindical, pronunciamentos da diretoria do Sindpetro-RJ e alguns poucos ambientalistas - que passaram pelas Plenárias da Campanha, o discurso da esquerda é o de abrir as torneiras e "deixar queimar", sob o álibi de que, desta vez, o dinheiro seria usado em saúde, educação, saneamento e reforma agrária, seguindo o discurso do governo Lula a respeito do pré-sal. Note-se, também, que o meio ambiente passa longe nessas prioridades.

É estranho que se assuma o discurso de Lula de forma acrítica. Porque o governo Lula já teria, há muito tempo, como fazer esta transferência de recursos, se não estivesse preocupado em juntar dinheiro para mandar para os rentistas nacionais e internacionais. Mas nem é esse o caso, já que o governo Lula é tudo menos um governo dos trabalhadores, por mais que a CUT o apóie. Outra discussão pertinente seria se a CUT é dos trabalhadores, mas isto é um outro post, para uma outra hora.

O xis dessa primeira questão é que o controle dos trabalhadores, que foi usado para diferenciar esta Petrobras proposta pela Conlutas, de uma Petrobras reestatizada, segundo o modus operandi vigente, ainda é pouco. Além de reestatizada, a Petrobras tem que ser pública, ou seja, para atender os interesses, não dos seus acionistas, mas da maioria da população brasileira. Esta é a contraposição real com os direitistas do DEM do PSDB! O modelo estatal atual, substituindo-se os apaniguados petistas pelos seus próprios, não causaria desconforto para eles.

Como já escrevi em outro post, uma Petrobras pública não empurraria com a barriga, por exemplo, a redução do enxofre no combustível, como esta diretoria da Petrobras fez, provocando doenças respiratórias que condenarão à morte milhares de pessoas, além de deixar outras milhares enfermas. Nesse caso, se falarmos em Petrobras assassina é um exagero, a sua diretoria certamente o é. DIRETORIA DA PETROBRAS ASSASSINA!

Em segundo lugar, é preciso interromper a lógica do desenvolvimento a qualquer preço, implementada pela Petrobras, que segue a lógica do próprio governo. Aqui são os recursos naturais – o petróleo – que estão sendo mais uma vez exauridos (doados?) sem nenhum projeto eco-estratégico. Como falar em desenvolvimento, ao custo do esgotamento dos recursos? E o que diz a Conlutas sobre a Petrobras: "colocá-la a serviço da classe trabalhadora e da população mais carente, vendendo gasolina, diesel e gás mais barato, além de fortalecer o patrimônio e a soberania nacional".

Com todo o respeito que os companheiros me merecem, esta é a mesmíssima visão do governo Lula. Desde quando queimar um recurso ainda estratégico significa fortalecer o patrimônio e a soberania nacional? Principalmente quando todo mundo sabe que ele se encontra à beira do esgotamento. De que maneira isto fortalece nossa soberania? Somente no cálculo do PIB, que é um índice do capital para aferir o capital, é que a extração de uma riqueza é vista como uma coisa positiva. Qualquer estudante de contabilidade sabe que quando você vende algo que lhe pertence, você perde patrimônio.

O que nos remete à última questão: a questão ambiental. Como já disse antes, sobre ela, nenhuma palavra, assim como no cálculo do PIB, que despreza os custos ambientais. Sem fazê-lo, o capital não teria como falar em desenvolvimento em nenhum país, nas últimas décadas. A começar pela Segunda Guerra Mundial, cujos custos ambientais e sociais ficaram de fora da conta, da forma como o capital superou a Depressão de 1929.

Pegando um mega-exemplo mais recente: se os tremendos passivos ambientais, provocados pelo seu modelo de desenvolvimento acelerado, fossem levados em consideração, a China amargaria índices negativos, ao invés da pseudo pujança que exibe, e que serve de modelo para vários outros países do Sul, como o Brasil de Lula, que experimentou índices de desenvolvimento que eludiram o desmatamento da Amazônia pelo agronegócio, entre tantas outras catástrofes ambientais.

Como disse recentemente Emanuel Cancella, diretor do Sindpetro-RJ, o dinheiro do pré-sal deve ser usado também para a pesquisa e implementação de matrizes energéticas limpas e renováveis, como a solar e a eólica. Outra parte da receita deve ser usada em obras que adaptem as cidades aos efeitos – alguns, infelizmente, já presentes – das mudanças climáticas, provocadas pela escalada do aquecimento global.

E a nota da Conlutas, na contramão da luta contra esta ameaça à humanidade, fala em vender gasolina e diesel mais barato, sem levar em consideração o efeito dessas medidas demagógicas: mais veículos rodando; mais CO2 vomitado para a atmosfera; maior velocidade no aquecimento médio do planeta.

Apesar da veemência, não quero deixar a falsa impressão de que se trata de um post contra a Conlutas. Em post recente, desanquei uma resolução do PSOL que, da mesma forma que essa nota, voltou as costas para mudanças climáticas e seus efeitos, como de resto faz a grande maioria dos partidos e organizações de esquerda, além dos movimentos sociais. Para eles, infelizmente, a ficha ainda não caiu.

25 de março de 2009

Aquecimento congelado

É decepcionante, em vários sentidos, a Resolução do Diretório Nacional do PSOL sobre o momento político, intitulada "Os trabalhadores não devem pagar a conta da crise" disponível em http://www.psol.org.br/nacional/diretorio/1414-resolucao-sobre-o-momento-politico-os-trabalhadores-nao-devem-pagar-a-conta-da-crise. Se é verdade que o partido dá um salto de qualidade, ao reconhecer a centralidade do enfrentamento da crise, ultrapassando os limites do combate à corrupção, o PSOL não consegue ainda, em sua nota datada de 21 de março, apontar os reais contornos desta crise, o que certamente limita as propostas de combate aos seus efeitos.

Em posts passados, ou em documentos indicados por este blog, foi apresentada uma visão mais ampla desta crise e dos seus efeitos, além da defesa de que as respostas que a esquerda radical, não-cooptada, deva dar a ela, sejam também mais amplas, para darem conta de seus diversos aspectos, já que o que está colocada é uma convergência de várias crises – financeira, econômica, social, ambiental, alimentar, entre outras –, anunciando assim uma crise da civilização do capital.

Infelizmente, a Resolução do PSOL concentra-se somente nos aspectos financeiros e econômicos da crise, repetindo a velha concepção, muito presente ainda em uma parte considerável da esquerda, que insiste em considerar as lutas econômicas como as únicas que, na verdade, interessam. No caso do PSOL, a bem da verdade, a questão da corrupção parece ser a outra questão relevante da conjuntura.

Sobre a crise ambiental, que hoje se concretiza na ameaça que as mudanças climáticas, provocadas pelo aquecimento global, podem trazer à continuidade da vida dos seres humanos e boa parte das espécies no planeta, nenhuma palavra. Isto um mês após ter sido divulgado um relatório da Agência Nacional de Oceanos e Atmosfera (NOAA, em inglês), órgão do Departamento de Comércio norte-americano, que aponta uma aceleração na concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera em 2008, contrariando o senso comum que previa uma redução por conta da crise.

Segundo o Relatório, citado pelo Globo Online em http://oglobo.globo.com/ciencia/mat/2009/02/25/aumento-do-nivel-de-co2-na-atmosfera-acelera-em-2008-754579571.asp, enquanto que, em 2007, o aumento da concentração de CO2 na atmosfera foi de 1,1 partes por milhão (ppm), em 2008 o aumento foi de 2,2 ppm, atingindo a média global de 384,9 ppm, aproximando-se perigosamente (e, ao que tudo indica, cada vez mais rápido) das 400 ppm, número apresentado por vários cientistas como sendo aquele onde as mudanças climáticas – e seus efeitos – se tornarão irreversíveis.

Essa constatação do Relatório, por si, comprova a incapacidade do capital em resolver essa ameaça. Ao contrário, confirma que se a lógica do lucro pelo lucro, da produção pela produção do capital não for substituída por outra radicalmente diferente, os piores cenários previstos pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) serão confirmados, ou mesmo ultrapassados, em um espaço de tempo mais curto.

Pois bem, as mudanças climáticas – de alcance planetário e consequências dramáticas, principalmente para as populações mais pobres – continuam sendo ignoradas pelos partidos de esquerda no Brasil, ou, quando muito, tratadas como coisa exótica, sem que os seus efeitos sejam devidamente compreendidos. Dessa forma, acabam por se eximir de qualquer responsabilidade com as futuras gerações e com o futuro do planeta.

O PSOL acerta ao considerar necessário e fundamental que as forças de esquerda, socialistas e do campo progressista discutam alternativas e apresentem propostas que disputem as saídas pela a crise. Mas se equivoca ao lidar somente com as suas dimensões financeiras e econômicas. Não é possível imaginar ser possível que os outros aspectos da crise possam ficar "congelados", enquanto nos ocupamos das questões "verdadeiramente importantes".

No caso das mudanças climáticas, a urgência de se deter a escalada da temperatura média global, estabilizando-a em até +2ºC – em relação ao início da Revolução Industrial – não permite pensar em saídas que não sejam combinadas para os diversos aspectos da crise, sob pena de as mudanças climáticas tornarem mais dramática ainda a vida dos enormes contingentes, que serão inevitavelmente afetados pela crise.

Além disso, é cada vez mais imperioso combater e derrotar o governo Lula, que vem se comportando como um autista sedado frente à crise ambiental das mudanças climáticas. A cada momento, em cada iniciativa, este governo deixa claro seu compromisso com um modelo de desenvolvimento, por um lado. submisso às necessidades de seus financiadores de campanha: sistema financeiro, agronegócio, construção civil e montadoras; por outro, um modelo produtivista que associa desenvolvimento, com submissão e destruição da natureza. Somente um governo deste tipo apresentaria, por exemplo, um Plano Decenal de Energia que fará aumentar em 165,5% a emissão de CO2 – por conta da entrada em operação de mais 80 termelétricas.

Adotar saídas combinadas para a crise é mais fácil do que a princípio possa parecer, já que muitas propostas já existem, porém ainda isoladas, sem um sentido de unidade. Entre elas, podemos pensar em:

  • Desmatamento Zero para a Amazônia Já, com a criação de um Fundo Internacional de preservação, com controle público;
  • Financiamento do BNDES à EMBRAER para o desenvolvimento de usinas eólicas, visando à criação de fazendas de vento;
  • Ampliação das metas e da abrangência do PROINFA – Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica;
  • Proibição de financiamento do BNDES a qualquer projeto acoplado a construção de termelétricas;
  • Antecipação de prazos e aumento das metas de redução de emissão de CO2 no Plano Nacional de Mudanças Climáticas;
  • Investimento no transporte público limpo, rápido e de qualidade, com subsídio à fabricação de ônibus e trens;
  • Reestruturar o PAC, substituindo a construção de portos, estradas e infra-estrutura que atendem ao agronegócio e a exportação de riquezas, por obras de saneamento e fornecimento de água;
  • No PAC, desenvolver um programa de adaptação das cidades aos efeitos das mudanças climáticas;
  • Investir na pesquisa e desenvolvimento de matrizes alternativas de energia utilizando as receitas do pré-sal;
  • Descontinuar o programa nuclear brasileiro;
  • Substituir a construção de grandes hidrelétricas previstas no PAC por um conjunto de pequenas usinas com menor impacto no ambiente;
  • Subsidiar a transformação dos processos produtivos nas indústrias, visando à eficiência energética, à racionalização do uso de água e recursos naturais, e à redução da poluição do ar, dos solos e das águas;
  • Considerar a água um bem universal, oferecido pelo Estado, com controle público;
  • Reforma agrária ecológica;
  • Crédito para a agricultura familiar;
  • Combate ao deserto verde do eucalipto e cana;
  • Proibição do plantio, consumo e exportação de transgênicos;
  • Voltar a agropecuária para a produção de alimentos, visando o atendimento do mercado interno e exportação solidária do excedente;
  • Programa nacional de habitação ecológica;
  • Redução do uso do carro individual nas grandes cidades;
  • Redução imediata do nível do enxofre no combustível;
  • Incentivo à criação de planos diretores ecológicos;

13 de março de 2009

É preciso estar atento e forte

Reproduzo a nota de Renato Roseno, presidente do PSOL/CE, sobre acusações feitas pelo ex-prefeito César Maia no seu ex-blog, e que têm sido reproduzidas na Internet. Apesar de, por ser carioca, estar acostumado com as atitudes dessa figura, que quando prefeito alternou alguns momentos de criação de factóides (como esse agora), outros de profundo autismo, quando se eximiu de administrar o Rio de Janeiro, mas que manteve a linha geral de defender uma cidade para poucos, para o benefício de suas elites, mesmo assim não posso deixar de me indignar.

Peço que essa mensagem seja reenviada para as suas listas, publicada nos seus blogs, para que a gente consiga resistir a mais esse ataque contra os movimentos sociais e a esquerda combativa, que tem nesses dois compas valorosos representantes.

Abraços solidários a João e Chico e
saudações ecossocialistas a tod@s,

Paulo Piramba

Nota de Renato Roseno, advogado e presidente do PSOL do Ceará.

Companheiros e companheiras,

Desde ontem, nossos companheiros Chico Alencar e João Alfredo vêm sendo atacados.
Um factóide sem qualquer responsabilidade ou fundamento foi lançado pelo demo César Maia (RJ).

Minha reflexão é que há uma refinada conexão entre os ataques de hoje, os ataques à Luciana Genro na semana passada e toda a onda criminalizante da esquerda e dos movimentos sociais. Interessa à direita que uma nova alternativa de esquerda não tenha legitimidade social e que não ganhe vulto. Em resumo, querem nos colocar na vala comum da política institucional até mesmo antes que ameacemos as acomodações das forças do sistema (há 2010 na espreita e a direita ideológica quer disputar seu naco).

As informações sobre o fato estão em nosso site:

http://www.psolceara.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=135&Itemid=1

A questão é que as novas tecnologias permitem a fácil replicabilidade. Como a intenção da imprensa é nivelar por baixo (assim, o povo não há de confiar em organizações ideológicas à esquerda), somente hoje mais de 270 blogs e sites de notícias reproduziram basicamente a mesma matéria feita pela Agência Estado.

Precisamos combater neste ambiente das mídias eletrônicas também. Os abutres de plantão, que por motivos diversos são incomodados com o surgimento do PSOL (à direita e à esquerda), também se fartam em comentários e maledicências, contribuindo para a ação contra nós. Temos que reagir. Sei da solidariedade de todos, mas é preciso militar em defesa de nossos companheiros, de nosso coletivo e de nosso projeto. Vamos impulsionar uma reflexão crítica e politizada sobre o fato: em primeiro lugar, não há denúncia contra nós. É um factóide e precisa ser (des)qualificado como tal. Em segundo lugar: devemos questionar a quem interessa isso (a criminalização e achincalhamento dos lutadores sociais e dos movimentos. Lembrem-se: neste exato momento há uma ofensiva contra o MST. E, por fim, pensar o porquê da grande imprensa ser tão prodigiosa e ágil em reproduzir este tipo de informação que contraria qualquer parâmetro de sensatez e coerência. É a aposta no pior. Contra isso, temos que agir.

Levar bordoadas do José Aníbal (PSDB), do Roberto Jefferson e do César Maia (DEM) é atestado de boa conduta política e ideológica.

"É preciso estar atento e forte"

Abraços,
Renato

3 de março de 2009

Não dá choque no meu bloco

O início de governo do novo prefeito do Rio não traz nenhuma novidade: intervenções pirotécnicas, para mostrar que, agora, existe um novo xerife na cidade. De fato, em comparação ao seu antecessor, misto de prefeito autista, com raros lampejos factóides, o atual alcaide parece um dínamo gerador de energia... negativa.

Desde que começou a ser trabalhado como alternativa mais conservadora ainda a César Maia, Eduardo Paes repetiu um discurso elitista, de repressão a todas as iniciativas populares de resistência a exclusão, a que são submetidas as camadas mais pobres das cidades neoliberais.

Camelôs, trabalhadores dos diversos setores da economia informal, moradores de comunidades pobres, a eles foi atribuída a culpa pelas mazelas da cidade. Contra eles foi brandida a "fulminante" arma do choque de ordem, que prometia trazer de volta a paz para as elites dominantes, acuadas em seus condomínios de luxo, sem poder desfilar em seus carros viciados em jogar CO2 na atmosfera, nem exibir suas jóias ou modelitos trazidos de Miami.

O seu adversário, no segundo turno, teve o mesmo discurso, mesmo que envolto em uma verborréia "muderna", apostando no charme de ex-guerrilheiro, pós-esquerdista, eco-capitalista e neoconservador. Diante de duas faces da mesma moeda e bombardeado diariamente pela defesa desse modelo de cidade para poucos, o eleitor cantou o uni duni tê e escolheu aquele que errou menos no segundo turno.

O que se vê na cidade, desde o primeiro dia de janeiro, são os seus velhos problemas – saúde, educação, mobilidade urbana, habitação, entre eles – mascarados por operações que caçam camelôs, confiscam cadeiras de praia e barracas, revivem a indústria de multas e ameaçam os moradores das comunidades com a volta das remoções. Tudo acompanhado e registrado pela mídia, cujos repórteres e âncoras se comportam como romanos no Coliseu, pedindo mais sangue.

Com a aproximação do Carnaval, além dos trabalhadores informais, o prefeito escolheu os novos inimigos: os blocos de carnaval. As acusações começaram a desfilar pela avenida, mais rápido do que a cadência atual das escolas de samba: engarrafadores de trânsito, usinas de produção de xixi, bando de bebedores de cerveja e drogados, desrespeitadores do silêncio e da moral e dos bons-costumes.

Junto com as acusações, as ameaças: "é preciso controlar o aumento desordenado dos blocos", "o carnaval de rua precisa de um choque de ordem". De pronto os pitboys do governo convocaram os fiscais, cancelaram a folga da Guarda Municipal, chamaram o bispo, aqui d'el rey!

Brinco no carnaval de rua carioca desde a adolescência, quando saía no Cacique de Ramos. Depois de um forçado hiato, acompanhei o surgimento do carnaval de rua na Zona Sul, primeiro na Banda de Ipanema. Mais tarde saía – junto com um monte de barbudos de esquerda – no Bloco do Barbas, que comemorou 25 anos agora em 2009. Pouco a pouco foram surgindo outros blocos, a princípio pequenos e totalmente sem estrutura, até se transformarem nesses rios de gente que, segundo cálculos da Sebastiana (Associação de blocos da Zona Sul, Centro e Santa Tereza), arrastaram mais de 160 mil pessoas em seus desfiles neste ano. Este número corresponde somente aos 11 blocos que fazem parte da Associação.

Como era natural que acontecesse, os blocos atrapalhavam o trânsito quando saíam, mesmo com um número muito menor de foliões do que hoje. Neste tempo todo, desfilando como "passista" e, mais tarde, como "esforçado ritmista", sempre prestei atenção na reação dos que não estavam brincando. Nunca vi nenhuma demonstração de raiva ou irritação contra os brincantes, por parte da população que passava de ônibus, e que acenava ou ficava rindo da esquerda branca e desajeitada. As únicas manifestações contrárias vinham, e ainda vem, dos que passam em seus carros, irritados com a demora em chegar a lugar nenhum, para não fazer nada de relevante, reação típica de uma classe média sem projeto e sem vida.

É engraçado que seja justamente o trânsito a primeira reclamação contra a proliferação dos blocos. Mais engraçado ainda que ela parta exatamente dos proprietários de carros, que reclamam seus direitos de ir e vir, nos quatro dias de feriado carnavalesco e, vá lá, de alguns fins de semana antes do Carnaval. E nós que ficamos engarrafados dentro dos ônibus nos demais 360 dias, enquanto mais e mais automóveis são colocados nas ruas, que "teimam" em não esticar, para dar vazão a esta irracionalidade individualista sobre rodas? Não seria mais justo e democrático que nós, os sem-carro por opção ou por falta de grana, e que somos a maioria da população do Rio, exigíssemos um choque de ordem contra o aumento diário de carros nas ruas do Rio?

Em tempos de aquecimento global, quem contribui mais para a emissão dos gases formadores do efeito estufa? Um carro de som movido a diesel, cercado por um monte de gente movida a álcool, ou um bando de egoístas a bordo de suas possantes e poluidoras máquinas, disputando o direito de ficar engarrafados, com ar condicionado e sistema de som de última geração.

Em uma cidade ecossocialista, este modelo de cidade para poucos não teria vez. Seria sepultado pela vontade e decisão da maioria de seus moradores, que escolheriam o lazer e a cultura, ao invés do desejo pelo consumo individual. Escolheriam harmonizar as manifestações culturais com a necessidade de locomoção em transportes coletivos rápidos e não-poluentes. E saberiam valorizar essas manifestações quando elas, eventualmente, causassem algum transtorno temporário à locomoção, porque as entenderiam como importantes na vida da cidade, além de ser uma fonte limpa de receitas, por incrementarem o turismo.

Mas existe outro aspecto, além da questão ambiental, que deve ser encarado com preocupação. Por trás dessa investida contra o carnaval de rua carioca e seus blocos, existe a necessidade do capital em transformar em mercadoria qualquer manifestação cultural, como de resto faz com todas as coisas e seres vivos. O carnaval do Rio pode ser dividido em dois: o da Marquês de Sapucaí, com o desfile luxuoso das escolas de samba; e o ressurgente carnaval dos blocos nas ruas do Rio.

O carnaval do Sambódromo, infelizmente, já foi transformado em mercadoria e é vendido para quem pode pagar. Mesmo assim, os cariocas continuam amando suas escolas, e nos ensaios técnicos antes do Carnaval vão para a avenida vibrar com suas escolas de coração. Nos dias de desfile, disputam espaço com alas de turistas, ou empurram os carros alegóricos. É o mesmo tipo de "democracia carnavalesca" que existe hoje na Bahia. Lá como cá, turistas louros ficam na arquibancada, batendo palmas para brancos de classe média desfilar, enquanto negros empurram carros ou esticam cordas.

O carnaval dos blocos, do jeito como está colocado hoje no Rio, não pode, na grande maioria, ser coisificado, transformado em mercadoria e vendido, e é isto que está por trás da investida oficial contra eles. Porque sua criação é ato espontâneo de grupo de amigos ou moradores de um bairro que se reúnem e organizam blocos, que desfilam em trajetos que têm a ver com suas histórias e vivências. São eles que vão encontrando soluções e superando um a um os problemas.

Atualmente, quase não existem mais conflitos nos desfiles de blocos. Bastou reservar um espaço para a que a bateria pudesse tocar à vontade. Da mesma forma, os carrinhos dos ambulantes que vendem bebidas, e que atrapalhavam a evolução, hoje ficam dos lados ou atrás dos blocos. Para isso bastou que os organizadores dos blocos pedissem que os foliões deixassem de comprar de quem estivesse atrapalhando o desfile. Como disse um diretor do Nem Muda nem Sai de Cima este ano, com rara felicidade: "O povo sabe achar suas soluções".

Por isso, não tenho dúvidas de que os dirigentes dos blocos acabarão encontrando a solução para os atuais problemas dos blocos: o trânsito, o seu gigantismo e o que fazer com o xixi. Ao invés de ameaçar com a proibição de desfile (quero ver quem irá lá impedir), basta divulgar com antecedência o horário e o trajeto de todos os blocos, assim como é feito no réveillon, nos grandes shows promovidos inclusive pela Prefeitura, nos jogos no Maracanã, nas procissões, etc.

O aumento do número de pessoas que acompanham determinados blocos tem a ver com o seu sucesso, com a qualidade do samba e com todo o ambiente criado. Quando a mídia descobrir que o carnaval do Rio não se resume mais aos desfiles do Sambódromo, ou a alguns grandes blocos, e começar a divulgar a saída das centenas de pequenos blocos menores e mais próximos dos foliões, essa descentralização resolverá o problema. Ao invés de concentrar os blocos em um lugar, como foi feito em Salvador, e que transformou o carnaval de lá em um negócio cada vez mais estranho, a saída parece estar em fazer o oposto, trazendo o carnaval para cada vez mais perto das pessoas.

No caso do xixi, somente uma prefeitura composta por mauricinhos doentes do pé e ruins da cabeça, que nunca saíram em nenhum bloco ou tomaram cerveja na rua, é que concentraria uns poucos banheiros químicos no início do desfile, quando qualquer um conhece a alta capacidade de consumo de cerveja do carioca, e que ela começa a fazer efeito do meio do desfile para frente. Se coubesse à população decidir o local e a quantidade de banheiros, a solução certamente seria outra.

É com apreensão que vejo estampado nas manchetes que os "garotos da Barra", que assumiram a Prefeitura do Rio, ameaçam mais maldades para o carnaval do ano que vem. Fico mais preocupado quando vejo alguns dirigentes de blocos começarem a embarcar nesta cantilena conservadora e excludente. Os blocos de rua são, assim como os camelôs, flanelinhas, motoristas de vans e demais trabalhadores informais, símbolos da resistência contra a cidade neoliberal. Não tenho dúvidas de que alguns mega-blocos aceitarão de bom grado serem domesticados pela Prefeitura. Afinal, isso será bom para os seus negócios. Mas para a grande maioria, negar e resistir a mais essa tentativa de coisificação de uma manifestação popular é a única possibilidade de continuar existindo. E a existência dos blocos de rua é vital para o carnaval do Rio.

Contra a soteropolinização do carnaval carioca!

Não põe corda nem dá choque no meu bloco!

9 de fevereiro de 2009

O FSM é incooptável e precisa ser ecossocialista

Entrevista concedida à Agência Petroleira de Notícias em 04/02/2009
disponível em http://www.apn.org.br/apn/index.php?option=com_content&task=view&id=897&Itemid=1

Acho que a melhor definição que ouvi sobre o que foi o FSM 2009, partiu de um companheiro que disse: "Apesar de todo o esforço de se tentar institucionalizar o Fórum, ele não foi cooptado. O FSM é incooptável!".

Neste primeiro Fórum realizado após a deflagração da crise global do capitalismo, e também após Nairóbi, onde o Fórum experimentou uma inflexão institucional, existiam muitas dúvidas a respeito do que iria acontecer em Belém, e sobre sua própria continuidade, pelo menos no âmbito da esquerda. Quando chegamos a Belém, rapidamente percebemos uma tentativa de apartar o Fórum da população, em especial a mais pobre.

Isto ficava claro no preço da inscrição, na segurança nos portões, e também numa ridícula Lei Seca que obrigava o fechamento dos bares (somente) dos bairros populares às 22h. É importante dizer que os 2 principais locais usados para as atividades eram separados do bairro mais miserável de Belém - Terra Firme - por um valão de esgoto e uma pista estreita de asfalto. Mas esse 'apartheid" durou apenas até a Marcha de abertura, quando a população de Belém teve a dimensão do que seria o FSM.

Aliás, é cada vez mais complicado falar em um Fórum; em Belém tivemos pelo menos três; o Fórum institucionalizado, dominado pelo PT e o governo Lula; o Fórum "supermercado de idéias", com milhares de atividades de todos os tipos; e o Fórum anticapitalista. Inevitavelmente estes três Fóruns acabaram se cruzando e contaminando positivamente as quase 150 mil pessoas que, de alguma maneira, participaram do Fórum.

Para as esquerdas, o FSM voltou a ser um importante instrumento de sua reorganização na luta anticapitalista. Inúmeras mesas discutiram a crise global, nos seus diversos matizes. Algumas convergências importantes ocorreram, como a reunião dos partidos anticapitalistas, que reuniu representantes de partidos do mundo todo. A palavra de ordem: "Que os ricos paguem a conta" estava estampada nas paredes e faixas, e pôde ser ouvida nos mais diferentes idiomas. Um calendário de lutas global e unificado foi aprovado, assim como foi aprovada uma declaração que responsabiliza o neoliberalismo pela crise, e se coloca contra as demissões e o corte nos salários.

Mas, de fato, a questão ambiental foi a mais importante no FSM, até pelo seu local de realização, na Amazônia. Apesar da tentativa do governo em tentar "esconder" a Amazônia do Fórum, que se mostrou infrutífera, existiu um amplo consenso em torno da importância da Amazônia para o planeta, de que é urgente a sua defesa, e, finalmente, de que essa ação não é somente responsabilidade das populações locais, mas uma tarefa de todo o planeta. Ficou clara a responsabilidade das madeireiras, agronegócio, mineradoras, pecuária e do governo, nos ataques desferidos contra a floresta.

Durante o Fórum aconteceram diversas atividades dos ecossocialistas, sempre com "casa cheia", onde propusemos a bandeira "Desmatamento Zero para a Amazônia Já!". Nestas atividades foi marcante a presença da juventude, interessada em participar da luta ecológica. A Rede Ecossocialista Internacional lançou no Fórum o II Manifesto Ecossocialista, a Carta de Belém. Nele está a condenação do modo de produção capitalista, como responsável pela degradação ambiental, cuja face mais visível são as mudanças climáticas provocadas pelo aumento da concentração dos gases formadores do efeito estufa na atmosfera. Dessa forma, não é surpresa que as respostas capitalistas à crise ambiental venham se mostrando insuficientes.

Este Manifesto conclama a todos e todas que habitam o planeta a rejeitar o processo desastroso do ecocídio capitalista, e a engajarem-se na luta pela construção de uma nova sociedade, com uma economia transformada fundada nos valores não-monetários de justiça social e de equilíbrio ecológico.

Após o FSM, a Rede Ecossocialista Internacional e a Rede Ecossocialista Brasileira realizaram uma reunião para discutir sua organização e seu programa de lutas para o próximo período. Dessa forma, podemos dizer que, se o perigo do do descontrole do clima existe e é cada vez mais real, por outro lado o FSM foi importante para a organização da resistência e do combate aos que destroem a Natureza.

A necessidade de re-qualificar a campanha “O Petróleo tem que ser nosso” sob o olhar ecossocialista

Publicado em 18/12/2008
em http://www.enlace.org.br/ecologia-1/a-necessidade-de-re-qualificar-a-campanha-201co-petroleo-tem-que-ser-nosso201d-sob-o-olhar-ecossocialista-paulo-piramba/

A armadilha em que o capitalismo nos meteu. Responsáveis por mais de 81% da energia consumida no mundo, os combustíveis fósseis encontram-se perto de seu esgotamento. Os especialistas calculam que, mesmo com novas descobertas do tipo da reservas abaixo da camada do pré-sal, o petróleo e o carvão estarão esgotados nos próximos 40-100 anos. Durante décadas as grandes empresas petrolíferas e países produtores boicotaram quaisquer pesquisas sobre formas alternativas de produção de energia, assim como cuidados para diminuição da emissão de gases poluentes, em especial o CO2 que é um dos principais causadores do efeito estufa. Se hoje temos catalisadores industriais e nos veículos e combustíveis menos poluentes, isto se deve à pressão da sociedade e dos ecologistas sobre os governos.

Além dos veículos e da produção industrial, os combustíveis fósseis também são usados na produção de energia elétrica. O carvão consegue ser ainda mais poluente que o petróleo, causando problemas de saúde na extração e nas partículas jogadas na atmosfera pela usinas termelétricas. A energia nuclear vem sendo apresentada como "limpa e segura", apesar continuarem insolúveis os problemas ligados à operação, manipulação e armazenamento do lixo radioativo. Outro problema é a utilização da tecnologia nuclear na produção de armas nucleares ou navios e submarinos. É dessa forma que entramos no século XXI: pressionados, por um lado, pelo esgotamento da matriz energética hegemônica no mundo; e, por outro, tendo que, rapidamente, substituir esta matriz por outra (ou outras) que interrompam o ciclo de aquecimento do planeta.

Apocalipse motorizado. Pegando o Rio de Janeiro como exemplo, em 2007, 38.220 pessoas foram vítimas da violência no trânsito no Estado do Rio de Janeiro. 18.235 apenas na Capital, contra 15.724 em 2006. Atualmente, 7 pessoas morrem por dia no Rio. A quantidade de vítimas fatais certamente é maior, já que as estatísticas não acompanham o histórico pós-acidentes dos feridos. Estima-se que circulam no Rio cerca de 2,2 milhões de veículos, sendo 90% deles automóveis movidos a gasolina e a álcool, e 10% ônibus e caminhões a óleo diesel. Em média, o carioca perde 2 horas e 10 minutos indo e voltando diariamente do trabalho. Dados da FEEMA, em 2006, atribuem às fontes móveis (automóveis, caminhões, ônibus, etc.) a responsabilidade por 77% dos poluentes emitidos para a atmosfera, que têm contribuído para o aumento das doenças respiratórias. O trânsito também é responsável pela poluição sonora, pelo stress provocado pelo tempo gasto no transporte e pelas relações cada vez mais violentas que ele vem estabelecendo.

Individualismo insustentável. Quando privatiza as cidades, o neoliberalismo impõe soluções e caminhos que favorecem as classes dominantes. Em termos da mobilidade e do deslocamento urbano, ele se materializa na supremacia dos veículos individuais sobre os meios coletivos de transporte. No Rio de Janeiro, as últimas grandes intervenções urbanas foram feitas para facilitar o deslocamento dos automóveis. Enquanto isso, o Metrô cresce a passos de tartaruga, os ônibus trafegam na rota da falta de planejamento e controle e os trens atendem a uma parcela pequena comparada ao que atendiam anos atrás. A precariedade do transporte coletivo faz com que o carro, além de ser um fetiche para os mais ricos, torne-se uma solução também para os mais pobres. A produção nacional de carros, juntamente com as facilidades para o crédito e a importação, vem provocando um aumento exponencial da frota nacional, principalmente nas grandes concentrações urbanas de São Paulo e do Rio de Janeiro. O impacto dessa gastança sobre o aquecimento global e as mudanças climáticas já está sendo sentido. É necessário apontar para outro modelo de civilização que supere essa escalada da insensatez.

Agrocombustíveis: uma resposta sem energia. De 3 anos para cá, os agrocombustíveis como o biodiesel e o etanol, começaram a ser apresentados como uma solução "verde" para os problemas do aquecimento global. As grandes petroleiras, entre elas a Petrobras, começaram a se intitular "empresas de energia", enquanto as montadoras se apressaram a apresentar modelos de carros "flex", "verdes", ou coisa que o valha. A grande vedete é o etanol, combustível fabricado a partir da cana de açúcar, da palma do dendê, do milho e de outros grãos, um combustível renovável e "limpo", reduzindo assim a emissão de gases formadores do efeito estufa. A União Européia tem avançado em estabelecer um programa de redução de emissão de CO2. Os Estados Unidos têm direcionado grande parte de sua produção de milho para a produção de etanol. No Brasil, o etanol fabricado a partir da cana é um dos carros-chefe do governo Lula, saudado internacionalmente como modelo a ser seguido. Porém...

Porém é preciso dizer que o etanol só poderá ser considerado um substituto do petróleo, se os padrões de consumo e desperdício de combustíveis forem revistos, ou seja, se o próprio capitalismo, que é viciado em petróleo, for questionado, o que não é o caso. A serem mantidos os atuais padrões, vai ser necessário que se avance ainda mais para dentro da Amazônia e remanescentes de outras florestas tropicais, e que as áreas hoje destinadas á produção de alimentos sejam convertidas em grandes desertos verdes. É preciso dizer também que a moda do etanol surgiu a partir da necessidade do capital financeiro encontrar novos mercados, por conta da crise 'subprime'. E que ele conseguiu, dos governos dos EUA e da União Européia, subsídios para a agroindústria dos agrocombustíveis.

É preciso dizer que não existirão ganhos ambientais nessa substituição de matrizes de geração de energia, já que os possíveis ganhos obtidos na queima do etanol serão menores que os passivos ambientais gerados na produção do etanol. Para se produzir um litro de etanol do milho, é necessária mais energia do que a gerada por esta quantidade do combustível. O que ainda resta das florestas tropicais asiáticas tem sido devastada para a plantação da palma do dendê. No Brasil, o deserto verde da cana empobrece a biodiversidade, empurra a fronteira agropecuária para dentro dos biomas do Pantanal e da Amazônia e explora a mão de obra dos bóias-frias, submetendo-os a condições de trabalho mais severas do que a dos escravos. No Brasil e no Mundo a destinação de terras e de grãos para a produção dos agrocombustíveis, acirra ainda mais a fome e subnutrição.

A saída não é a nave espacial. O ministro de Assuntos Estratégicos, Esotéricos e Esquisitos Mangabeira Unger afirmou recentemente que "mesmo se a Terra definhar, acharemos um meio de escapar para outros pontos do Universo". Como certamente o preço da passagem para Alfa-Centauro não vai ser objeto de promoção na Internet, é mais adequado pensarmos em alternativas energéticas que não comprometam o futuro do planeta. E, nesse sentido, convém não cometermos os mesmos erros como, por exemplo, colocar todas as fichas em uma única matriz alternativa, ou criarmos grandes unidades de produção de seja lá qual for a matriz, produzindo intervenções agressivas ao meio ambiente. A palavra de ordem é diversificar as fontes e descentralizar a produção. Tudo isso, evidentemente, submetido a uma nova lógica de consumo de produção de bens agregada à supremacia do valor de uso em relação ao valor de troca. Hoje, já é possível produzir energia elétrica usando a matriz eólica, como no caso das fazendas eólicas da península Ibérica e nos países nórdicos. A energia solar só não está mais desenvolvida, porque os investimentos em pesquisa ainda são muito reduzidos. O próprio etanol e a biomassa são saídas inteligentes se não estivermos submetidos ao padrão de consumo capitalista. Ou seja, não é suficiente substituir a matriz fóssil por uma, ou uma série de matrizes limpas. É preciso reduzir drasticamente o consumo de energia, combinado com uma profunda transformação do sistema energético, em termos de descentralização, diversificação e eficiência.

A questão não é participar ou não da Campanha, mas como participar e propondo o que. Militantes comunistas sempre participaram de campanhas do tipo "frente única". Nestas campanhas é freqüente que as bandeiras de luta e palavras de ordem não sejam exatamente as desejadas por eles, que devem abraçar a campanha, ganhando legitimidade para, se possível, tentar apresentar propostas mais conseqüentes. Nesse sentido, não existe polêmica em relação à nossa participação na Campanha "O Petróleo tem que ser nosso". Devemos, através da legitimidade conquistada, do diálogo e do convencimento avançar na formulação de propostas anticapitalistas. Para isso, nossa primeira tarefa é nos engajarmos na Campanha, ampliando-a para nossas áreas de atuação, seja divulgando suas atividades, seja, quando possível, promovendo debates, no sentido de acumular forças para a resistência ao leilão marcado para o dia 18/12.

O Petróleo tem que ser nosso... Para quê? Mesmo que a palavra de ordem "O Petróleo tem que ser nosso" signifique um avanço em relação ao primeiro momento da Campanha – que tinha um cunho muito nacionalista – devemos defender dentro dela que não nos basta ter o controle sobre ele, mas criar condições para que a transição da atual matriz energética para as alternativas colocadas, leve em consideração a relação entre estas alternativas e as mudanças climáticas, e aplicar parte importante dos lucros obtidos com a exploração das novas jazidas, além da educação e saúde, na pesquisa e aperfeiçoamento das matrizes solar e eólica. Devemos questionar, também, entendimentos que defendam o aumento da produtividade da Petrobrás, sem questionamento aos modelos de consumo capitalistas, responsáveis pelo esgotamento dos combustíveis fósseis e pelo aquecimento global. Racionalizar a produção e diminuir o consumo são medidas decisivas para manter a temperatura da Terra dentro dos limites estabelecidos pelo IPCC, evitando conseqüências ainda mais graves do que as que estão se repetindo ao redor do planeta. Trazer a questão da matriz energética e das mudanças climáticas para dentro da Campanha, amplia seu escopo da luta, questiona e responsabiliza o modelo consumista e esbanjador do capitalismo.

A re-estatização da Petrobras não é garantia em si; a Petrobrás tem que ser pública. É importante, nessa discussão, recuperar o conceito de empresa estatal e de empresa pública. Empresa pública é aquela cuja atuação é voltada para o interesse da maioria da população, o que não acontece, necessariamente, com as empresas ou organismos estatais. O Banco Central, por exemplo, é estatal, mas está a serviço permanente dos interesses da burguesia financeira. É interessante lembrar como a discussão sobre a autonomia do Banco Central, tão defendida pelos conservadores nos primeiros anos do governo Lula, não se coloca mais, totalmente superada pela subserviência deste governo ao capital financeiro. Não existe, portanto, garantia em si que a simples re-estatização da Petrobrás, recuperando o controle estatal sobre ela, a partir do controle das ações hoje de posse de investidores/ especuladores internacionais, signifique uma inflexão na trajetória da empresa, voltada para o lucro, esgotamento dos recursos naturais e agressão ao meio ambiente. A Petrobras não faz outra coisa hoje, a não ser concretizar as políticas do governo Lula, que tem exatamente essa relação com os recursos e com o meio ambiente, seja no apoio ao agronegócio, na estratégia destruidora no Centro-Oeste e Amazônia, nas obras do PAC e IIRSA, etc. É preciso que essa crítica ao governo seja claramente feita pela Campanha. De que vale a população brasileira ter a posse das riquezas naturais, se a lógica de exploração e esgotamento, na busca do lucro, se mantiver?

A Petrobrás não pode continuar desrespeitando o meio ambiente. A Petrobrás, assim como as empresas petroleiras em geral, é uma campeã em desrespeito à legislação ambiental, e uma das maiores causadoras de passivos ambientais do mundo. A defesa de uma Petrobrás pública passa pela condenação do modelo atual de empresa, que negligencia a segurança de seus funcionários e do meio ambiente, para aumentar a produtividade e o lucro. Além disso, a empresa, até pouco tempo atrás, utilizava pretensas "responsabilidades social e ambiental" nas propagandas institucionais, para alavancar o preço de suas ações na Bolsa de Nova Iorque. O recente episódio do enxofre no diesel, quando ela, em conluio com as montadoras de veículos, e com a vacilação da Justiça e do Ministério do Meio Ambiente, conseguiu o adiamento da utilização de um diesel com menor teor de enxofre no Brasil, mostra o descaso da empresa com a saúde do povo brasileiro. Na Baixada Fluminense, até hoje, 8 anos depois do derramamento de óleo na Baía da Guanabara, centenas de pescadores do fundo da Baía continuam sem poder trabalhar, já que os efeitos do óleo derramado nos manguezais ainda contaminam os peixes. É preciso defender uma Petrobras verdadeiramente responsável, tanto do ponto de vista social e público, como também do ponto de vista ambiental.

Pensando uma Reforma Urbana Ecossocialista

Publicado em setembro de 2008
em http://www.socialismo.org.br/portal/socialismo-liberdade-e-poder-local/308-pensando-uma-reforma-urbana-ecossocialista

Introdução

As questões ambientais vêm ocupando tal espaço, que poucos de nós percebemos que palavras e expressões como "ecossistema" e "impacto ambiental", até pouco tempo atrás, eram de uso exclusivo de pesquisadores, técnicos e militantes da área. Além da inserção na mídia, é cada vez mais comum sua presença nas agendas dos partidos, organizações e movimentos. Em muito contribuiu a divulgação dos relatórios do IPCC (sigla em inglês de Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), que colocou a atividade humana como principal responsável pelas mudanças climáticas.

Desde as décadas de 1930-40 a população brasileira vem se tornando mais urbana, chegando a 153 milhões de pessoas (81% da população) vivendo em áreas urbanas em 2006, segundo o IBGE. Estas cidades – algumas delas, megalópoles – recebem um fluxo populacional, que cria uma demanda por serviços e equipamentos sociais em uma proporção muito maior do que elas têm condições de atender.

Este quadro tende a piorar com as mudanças climáticas anunciadas pelo IPCC. Falta d'água, doenças silvestres ou provocadas pela poluição do ar, sonora, da água e do solo já são comuns hoje. Nas cidades que substituíram a cobertura vegetal pelo concreto, ondas de calor as transformarão em fornalhas. Temporais de curta duração, mas com grande intensidade, provocarão enchentes nas cidades impermeabilizadas pelo asfalto.

Pensar em uma solução para este modelo inviável de cidade significa pensar, também, em outro modelo econômico, que seja construído em torno do atendimento das reais necessidades da maioria de suas populações. O socialismo continua sendo vital como o ar e a água. E mostrará mais vitalidade, se puder se reconstruir como idéia libertária, generosa e transformadora, que leva em conta a continuidade da vida no planeta.

A cidade e a ordem neoliberal

Não há como pensar em políticas públicas ambientais para as cidades, sem levar em conta como elas estão organizadas. No neoliberalismo, a cidade, assim como a economia, é pensada para poucos. A maneira como ela se organiza, de que maneira ela se expande, os equipamentos sociais acrescentados, a sua relação com a natureza e entre seus habitantes, tudo isso é feito para uma minoria, os seus cidadãos e cidadãs "de primeira categoria". Como na antiga Atenas, onde para cada cidadão chegou-se a ter 18 escravos, para cada "incluído" na cidade neoliberal, existem dezenas de cidadãos de "segunda categoria", organizados social e geograficamente para atender às necessidades dos primeiros.

A especulação imobiliária cria condomínios com segurança e conforto, e segrega seus empregados em "bantustões", com precárias condições ambientais, sem saneamento, próximos de indústrias poluentes ou de cursos d'água envenenados. Na maioria das vezes, estes guetos ficam longe dos locais de trabalho, servidos por transportes lentos, insuficientes e poluentes. Enquanto isso, mais e mais carros são produzidos, contribuindo para a emissão de CO2 e gerando engarrafamentos.

O neoliberalismo incentiva o consumismo e submete grande parte da população ao desemprego estrutural e à pauperização dos salários. Para estes só resta construir moradias em áreas degradadas ou em locais de preservação ambiental, onde são acusados de agressão ambiental e ameaçados de remoção. Esta necessidade de consumir é alimentada por outdoors colocados em locais que obstruem a visão do que resta de natureza, ou por carros e sistemas de som estridentes, que contribuem para a poluição visual ou sonora, assim como os equipamentos urbanos de mau gosto, ou os ruídos do trânsito.

Quase todas as cidades têm, ou terão em breve, problemas de fornecimento e tratamento de água. O neoliberalismo tem se apropriado destes serviços. A perda do controle do Estado sobre a água pode levar a que enormes contingentes populacionais não tenham acesso a ela. 83 milhões de pessoas não são atendidas por sistemas de esgotos e 45 milhões carecem de água potável. 65% das internações hospitalares de crianças de zero a cinco anos são em con­seqüência dessa precariedade.

São produzidas cerca de 150 mil toneladas diárias de lixo, sendo que, em grande parte das grandes cidades, ele é despejado em lixões, contaminando fontes de água, o solo e o ar. A privatização do setor de limpeza pública não reduziu os índices de resíduos sólidos urbanos dispostos de maneira inadequada.

Tecnologias envelhecidas e poluentes, com consumo elevado de energia e água, sem tratamento adequado dos efluentes; inexistência de sistemas adequados de eliminação dos resíduos perigosos; fábricas perto de áreas urbanas ou de zonas de proteção ambiental; descargas de efluentes em águas de superfície ou subterrâneas; e armazenamento inadequado de resíduos, são causas da poluição industrial, que destrói o ambiente e ameaça a saúde dos trabalhadores – já submetidos a um regime de trabalho repetitivo e estressante – e dos habitantes que mo­ram em torno das fábricas.

Os governos locais não têm dinheiro, nem vontade política para resolver estes problemas. O governo federal concentra cada vez mais os recursos, com grande parte destinada ao superávit primário. Obras de saneamento, de oferecimento de água potável e de tratamento de resíduos são vistas como "obras que não dão voto", o que faz com que os recursos municipais sejam usados em obras de importância duvidosa, mas com visibilidade.

O resultado é a violência. Os governos apostam no uso das forças de repressão para confinar, controlar e exterminar o que Michael Löwy chamou de pobretariado. A repressão também têm se ocupado em combater a chamada "desordem urbana" neoliberal, ou seja, aquilo que se contrapõe e conflita com a "cidade para poucos", reprimindo os trabalhadores informais, removendo populações de áreas anteriormente sem valor, mas agora com alguma importância especulativa ou econômica, ou ainda proibindo as oferendas e demais manifestações das religiões afro-brasileiras.

Pensando uma Reforma Urbana Ecossocialista

A expansão descontrolada das cidades, a privatização dos serviços públicos e a especulação imobiliária, levaram à privatização da cidade, além da degradação do solo urbano e a eliminação das áreas verdes. A utilização das "áreas nobres" em empreendimentos comerciais afastou as pessoas do centro da cidade, aumentando o tempo gasto no transporte. A opção pelo transporte individual, em detrimento do transporte coletivo, aumentou a dispersão dos gases do efeito estufa, além do stress provocado pelos engarrafamentos.

De acordo com cálculos da ONU, as cidades estão crescendo nos países dependentes três vezes mais rápido que nos países capitalistas ricos, e os problemas ambientais são bem mais extensos naquelas cidades. A poluição do ar, provocada pelos automóveis e indústrias, combinada com a inversão térmica causada pelo efeito estufa, chegam a paralisar megalópoles. Na maioria destas cidades o lixo é acumulado em vazadouros ou queimado em lixões.

É necessária uma Reforma Urbana Ecológica tão radical quanto a Reforma Agrária Ecológica defendida pelos movimentos sociais. Uma Reforma Urbana que inverta prioridades e garanta a participação popular na decisão e no controle dos projetos, mas que também incorpore uma perspectiva ecológica nos Planos Diretores. Devolver a cidade a seus cidadãos, garantindo total acesso aos espaços e serviços públicos, à cultura, à moradia, à educação, à saúde, ao trabalho, ao transporte e ao lazer, em uma relação sustentável com a natureza.

A seguir, alguns tópicos e propostas que devem estar presentes na construção de um programa ecossocialista para as cidades:

1) Aquecimento Global

Metas de redução de emissão dos gases do efeito estufa;

Substituição do diesel pelo álcool e o gás nos ônibus e na frota oficial.

2) Acesso à água

Universalizar o acesso à água, que deve ser oferecida pelo Estado, com gestão pública e controle social;

Prioridade do abastecimento doméstico sobre o uso industrial;

Uso social da água, aumentando a tarifa das grandes indústrias, usando o arrecadado na recuperação da bacia de origem.

3) Tratamento de Resíduos Sólidos e Saneamento

Saneamento e água potável para populações de baixa renda;

Utilização do biogás nos aterros sanitários;

Organizar os catadores em associações e cooperativas, oferecendo programas de inclusão;

Reciclar o entulho da construção civil, utilizando-o em programas de habitação popular;

Implantar usinas de compostagem dos resíduos orgânicos em alternativa aos lixões;

3) Poluentes Industriais e Saúde

Criar mecanismos tributários de incentivo a indústrias limpas e tributação de práticas poluidoras;

Integrar o trabalho da vigilância sanitária com os órgãos de defesa da saúde do trabalhador, visando diminuir os impactos de manuseio ou contato com substâncias, irradiações, ruídos e temperaturas que afetem a saúde do trabalhador;

Alterar a organização, regime e condições de trabalho, em busca de ambientes de trabalho menos estressantes e atividades menos repetitivas.

4) Reforma Urbana Ecológica

Garantir o direito à moradia digna, com água potável e tratamento de esgotos, em locais seguros que não ameacem as reservas ambientais;

Regularizar a posse da terra nas ocupações, preservando mananciais e áreas de preservação;

Recuperar áreas degradadas das grandes cidades, destinando-as a projetos de habitação popular social e ambientalmente sustentadas;

Planos Diretores ecológicos, que levem em conta o uso social do solo urbano e o conceito de pegada ecológica (1).

5) Transporte

Transporte coletivo rápido e não-poluente, com combustíveis renováveis;

Recuperar as malhas ferroviárias urbanas, retomando os ramais abandonados pelas empresas privadas.

6) Segurança Alimentar e Reforma Agrária Ecológica

Criar pólos agroflorestais em torno das grandes regiões metropolitanas, com prioridade para reassentamento de ex-agricultores habitantes das suas periferias;

Estimular a compra, nas instituições públicas, de produtos da agricultura ecológica familiar.

7) Transgênicos e Biodiversidade

Aplicar a lei que identifica produtos que utilizam transgênicos;

Proibir a compra, pelas instituições públicas, destes alimentos;

Combater o tráfico de animais silvestres.

(1) Pegada ecológica é a tradução de ecological footprint e refere-se à quantidade de terra e água necessária para sustentar as gerações atuais, tendo em conta todos os recursos materiais e energéticos gastos por uma determinada população. (fonte: Wikipedia)